Sumários

Feriado da Restauração da Independência

1 Dezembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Feriado da Restauração da Independência


Dançar sobre a morte

29 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Completámos com noBody o visionamento do tríptico (2000-2002) de Sasha Waltz dedicado à afectação do corpo-matéria pelas emoções e pensamentos nele suscitados e que a dança traduz. Nestas coreografias é trabalhada a ideia do corpo como um sistema que propõe diferentes abordagens. Nas três coreografias está patente a imediata relação Corpo-Espaço através do povoamento e uso da monumental sala principal da Schaubühne am Lehniner Platz em Berlim. Este espaço nunca antes fora utilizado na sua totalidade, abrindo então à concepção coreográfica uma oportunidade mais abstracta de criação. Apesar da evidente tendência para o abstracionismo, para a amplificação do movimento composicional no espaço, Waltz nunca abandona a materialidade dos corpos dos seus bailarinos e as suas potencialidades. Daí que os vários desenhos que constroem estas coreografias nos permitam acompanhar a perspectiva de altura e profundidade de modo muito diferente daquele que encontramos numa sala de teatro habitual.

Para além da relação Corpo-Espaço, comum às três coreografias, Körper oferece ainda duas específicas abordagens de que não nos devemos alhear: Corpo e Medicina (a compreensão do corpo através do recurso ao progresso científico e à aplicação de instrumentário tecnológico que fazem face ao envelhecimento); Corpo e História, inspirada pela experiência artística em museus, em especial, no Museu Judaico em Berlim.

Com S nasce uma visão da dança waltziana mais poética e íntima, seguida da criação de um universo imagético baseado em desejo e referenciação ao mundo natural em que o corpo se apresenta amoroso e onírico mas sempre também conflituoso.

noBody nasce como uma coreografia de grande exigência física e paradoxalmente como uma peça que equaciona a perda do corpo, a perda da vida. A coreografia tem um inquestionável valor próprio apesar de termos partilhado informação pública sobre um episódio da vida pessoal da coreógrafa: o efeito da morte inexplicável da sua mãe, que potencia a referencialidade da obra. Confrontamo-nos então com o Corpo-dor, com o Corpo-luto, com o Corpo-inexistência. (noBody).

 

Vídeo visualizado:

WALTZ, Sasha & Guests, noBody, ARTHAUS MUSIK, 2011, 85 min. + 8 min. (bónus) com legendas em inglês, alemão, francês e espanhol.

 

SCHLAGENWERTH, Michaela 2008, NAHAUFNAHME SASHA WALTZ, Gespräche, Berlin: Alexander Verlag, p. 65. (Tradução em aula da reflexão de Sasha Waltz sobre a principal motivação que contribuiu para a criação desta sua coreografia)

 


A estátua e os corpos moventes

24 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Recebemos hoje o nosso convidado Mário Afonso, bailarino, coreógrafo e professor, que nos pôs em contacto com o trabalho artístico de Dimitris Papaioannou, bailarino e coreógrafo grego, através do vídeo Primal Matter (Festival de Atenas de 2013), numa versão curta do espectáculo então apresentado.

 

Mário Afonso chegou inesperadamente tarde (meia hora a menos do previsto) devido a suspeita de bomba na cidade. Mesmo assim tivemos oportunidade de escutar a leitura de um texto seu sobre dança, que contextualizava não só o material que iríamos ver mas sobretudo a perspectiva em que se insere o trabalho de Papaioannou na actual situação político-económica e artística da Grécia.

Primal Matter equaciona a relação sempre presente do passado clássico grego, das suas estátuas iconográficas como Kouros (o rapaz), cuja visualização se projecta no trabalho entre os dois bailarinos em cena. O próprio coreógrafo, que representa a formalização civilizacional no berço grego e na sua cultura, extensível a toda a Europa, faz do seu fato preto a imagem de um corpo que age para dominar, moldar, articular, não sem que exista o permanente desejo fusicional de recuperar em si o Outro, o que esse Outro foi em tempos, como fixação da beleza física e da harmonia das formas. A referência plástica traz à coreografia o seu eixo essencial como expressão de movimento e suspensão nas imagens que proporcionam, entre outras coisas, também, a leitura do espaço como o de um ateliê, onde artista e matéria-prima se debatem, conflituam e entendem. É neste contexto que ganha sentido a presença do Kouros desnudo, no desempenho do bailarino Michalis Theophanous. Ele é o agente transposicional de memória, a matéria que traduz essa memória e que a actualiza no presente da dança.

 

Vídeo visualizado:

https://vimeo.com/190056876

 


S de Sasha

22 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Entrega e comentário dedicados ao primeiro teste de avaliação de conhecimentos.

 

Visualização do segundo DVD do tríptico em estudo: S.

Breve conversa sobre o efeito causado por este visionamento. Identificação de diversas camadas de sentido provenientes da construção coreográfica, nomeadamente a criação de diversos ambientes (cenário, luz) que invocavam no observador um percurso múltiplo, por vezes poético. Este percurso mantém a linha de partida do tríptico, a relação com o corpo, a partir do corpo e sobre o corpo, mas agora de um modo mais íntimo e sensível. O tempo nesta parte do espectáculo (as primeiras cenas de duetos e tercetos) decorre como se de uma descoberta amorosa e pura se tratasse. A percepção do corpo é feita pela aproximação, pelo toque, pelo conforto da experimentação. Progressivamente vão sendo introduzidos outros elementos imagéticos (a água, a savana, os seres antropomórficos, o vestuário) que acentuam a incorporação do espaço no movimento e aceleram o tempo da representação, a partir de uma progressão simbólica que se desenvolve de um espaço adâmico para um espaço fragmentado e que diverge, ora numa perspectiva onírica, ora num quadro de acções do quotidiano. A recorrência à sucessão discreta de imagens no ciclorama, imagens que fazem falar o exterior das acções e movimentos dos bailarinos, parece estabelecer e manter o fio condutor de S. S de Sasha. S de moimento coleante dos corpos. S de uma simbologia de experiência pessoal da coreógrafa que se expande e recua como o que acontece quando olhamos para um quadro de longe, indistinto na sua presença real.

 

DVD visionado:

 

WALTZ, Sasha & Guests, S, ARTHAUS MUSIK, 2011, 66 mins. + 30 mins. (bónus) com legendas em inglês, alemão, francês e espanhol.


Corpos de Sasha Waltz um primeiro movimento

17 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Acedemos hoje ao vídeo de Körper (Corpos), realizado a partir da coreografia homónima de Sasha Waltz, em 2000, a primeira obra da trilogia Körper / S / noBody.

Apercebi-me de que, apesar de toda a atenção devotada a este visionamento e no decurso de breve conversa posterior, os alunos mostraram-se receosos quanto ao modo como iriam formular discurso sobre uma arte com a qual não estão muito familiarizados e que, por esse motivo, lhes escapa deste ponto de vista.

Para alcançarmos uma metodologia de trabalho que nos possa orientar no curto espaço de um final de semestre, parece-me importante que recorramos ao que já conhecemos – a elaboração de uma peça de teatro na sua escrita e posterior representação. O que distingue uma peça de teatro de uma coreografia parece abissal, no entanto, estamos a referir-nos a artes que trabalham o corpo na sua materialidade e completude. A nós interessa-nos, entre muitas outras coisas, ver uma coreografia como uma narrativa. Todos sabemos que quanto menos linear for a narrativa mais interessante ela será.

Tentarei ajudar-vos nesse tipo de chegada à formulação a partir então do que já conhecem. Um texto escrito para teatro, apesar de ser um tipo de partitura que permite ajustamentos e recriações em cada encenação que dele se faz, mantém uma estrutura paradigmática que não se desvia muito da matriz original, pelo menos na acepção mais comum, o que não significa que não possa haver sempre excepções, e há-as com certeza.

No caso da criação de Sasha Waltz - a coreografia de Körper -, a dominância do trabalho com os intérpretes, orienta-se e desenvolve-se expressivamente no sentido da valorização do corpo e das suas potencialidades. Não é casual o título dado à coreografia.

Perguntamo-nos então: Qual a leitura da matéria corporal para Sasha Waltz? Qual o entendimento do corpo humano que a coreógrafa alemã deseja apresentar aos seus espectadores? Como é que a seu tempo poderemos e deveremos ou não associar entre si as três coreografias como partes integrantes de um pensamento maior? Terão estas obras um tal valor próprio que a sua identificação e composição estética justifica todo e qualquer visionamento independente? Em literatura a ideia de tríptico é frequente. No caso da obra de Waltz isso significa que há um assunto que se desdobra por várias fases e sob diversas intensidades e que por isso estaremos sempre a contemplar o corpo humano de forma diferenciada e indiferenciada. Deste ponto de vista a dança é uma das artes que melhor trabalha a matéria de que somos formados.

Este conjunto de interrogações de natureza geral identifica um processo que é o de narrar o corpo humano e, melhor ainda, de o narrar com o corpo. O corpo dá-se a ver na sua materialidade frágil, despojado, por vezes nu, com suor, escorrendo águas interiores (dispositivo para isso criado), sonhando e ritualizando-se, combatendo, mas sobretudo exibindo-se como matéria-objecto.

Parece haver então uma narrativa de montagem e recorrência de núcleos que se formam, se distorcem e se expandem, voltando, de vez em vez, às imagens iniciais da coreografia: o movimento lento dos corpos a sobreporem-se e a entalharem-se uns nos outros, empilhando-se na vertical.

Esta é uma ideia muito forte pela sua dimensão inabitual como relação com o espaço, que reaparece desmultiplicada ao longo de toda a coreografia. No entanto, essa imagem visual não é acaso nem apenas a vontade de atribuir à forma prevalência. Também a ideia de cadeia de montagem e, mais especificamente o despejo da matéria corporal como expressão do mecânico horrendo, nos recorda os fornos dos crematórios nos campos de extermínio que se interceptam nesta coreografia, como referência às terríveis imagens a que passámos a aceder resultantes das filmagens que então eram feitas e que hoje estão em arquivo.

Ela recupera e sublinha a desvalorização completa e abjecta a que o corpo humano e a pessoa estiveram sujeitos durante os últimos anos do nacional-socialismo nesses lugares de absurdo. Extensíveis serão para cada espectador outros episódios dimensionalmente menos devastadores do que este, se é que tal se pode dizer, mas que continuam a ser recorrentes por todo o mundo e que nos invadem todos os dias. A dignidade física e mental da pessoa humana constitui preocupação essencial da estética e da ética de Sasha Waltz.

Faz parte desta linha de pensamento o leilão dos corpos anunciado em Deutsche Mark (moeda alemã em vigor durante o III Reich) - a pessoa como mercadoria- que se revela como um núcleo integrado do espectáculo.

O absurdo da existência (recordemos Beckett, Harms, Ionesco, Camus, Müller), que acabámos de referir, é apresentado de várias formas, de que destaco agora as representações das curtas confissões de alguns dos bailarinos quando falam de si como personagem/vivência. O discurso oral encontra na linha de movimento e gesto uma ilustração distorcida em relação à ordem interna e externa do corpo. O corpo narrado é disfuncional em relação ao corpo visionado e apercebido. Não há movimento de ilustração (sempre indesejável em teatro) mas há uma forma de sobre-ilustração em tempo real que confunde o espectador.

Apesar desta coreografia se fundar em sequências de quadros que não mantêm uma única linha narrativa em termos episódicos, antes sobrepondo a ela diversas constelações que entre si se interceptam, essas sequências identificam muitas das dificuldades e conflitos que nos dizem respeito. Esses quadros trazem sempre consigo a projecção de um passado comum num presente e são em si um diálogo insurrecto mas também amoroso e privado com o futuro. Os bailarinos deixam-se pegar pela pele e músculos por outros bailarinos. Esse gesto mais do que confundir-nos destaca de forma artística aquilo que nem imaginaríamos pudesse acontecer. Também essas sequências respondem ao tratamento consequente que Sasha Waltz oferece ao assunto: a vida humana e o corpo humano. A coreografia é sobre nós, sobre os nossos corpos e sobre a espiritualidade e sensibilidade que eles também desenvolvem.

DVD visionado:

WALTZ, Sasha & Guests, Körper, ARTHAUS MUSIK, 2011, 59 mins. + 30 mins. (bónus) com legendas em inglês, alemão, francês e espanhol.