Sumários

Sasha Waltz - uma artista multímoda

15 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Entrámos no universo da coreógrafa Sasha Waltz (1963 -) através de um vídeo, A Portrait, que procura recuperar os aspectos mais significativos da vida e da carreira da artista alemã e que nos permite vislumbrar um pouco da sua natureza rebelde e imaginosa na área da dança, da performance, da instalação, de exposições.

Apercebemo-nos do seu enorme gosto por espaços rasgados e monumentais, nomeadamente museus, onde os seus bailarinos se espraiam em simbiose com a arquitectura interior desses lugares.

Sasha Waltz coreografa igualmente óperas. Invulgar este seu gosto por se cingir a uma partitura e a um libreto. Muitas das óperas por si até agora coreografadas têm tido o melhor acolhimento na Alemanha e por todo o mundo.

Com uma artista tão valiosa e interessante, que tem uma particular devoção por integrar a sua família no trabalho que empreende, poderemos aprender alguma coisa, mesmo sabendo que o material de que dispomos não é o espaço cénico mas meros DVDs. Significa isto que estaremos a ser conduzidos pelo olhar de outrem. Apesar dessa limitação estou certa de que poderemos tirar benefício da experiência.

Pudemos ainda ver um vídeo de ensaio de um das obras curtas de Sasha Waltz para o espectáculo Dialogue 06 – Radiale Systeme. Estas pequenas obras ocorrem normalmente entre óperas e têm a função de as projectar em relação a desenvolvimentos futuros. Radial System significa sistema radial, à letra, embora neste caso se reporte ao edifício de uma antiga fábrica de tratamento de águas em Berlim, onde Sasha Waltz e o seu Ensemble (Sasha Waltz & Guests) trabalham desde há cerca de oito anos. Pudemos observar esse ensaio conduzido pela coreógrafa junto dos seus bailarinos e na presença de membros do agrupamento musical Akademie für Alte Musik, que aí também ensaiavam.

Fizemos o reconhecimento de diálogo entre corpo e música (Purcell, Telemann, Vivaldi), a partir da estrutura interna de partituras, na criação da coreografia. Apercebemo-nos da integração do movimento mecânico e repetitivo na explosão do movimento livre desenhado como seu contraponto e continuação. Observámos a presença de outras artes (body painting, construção de instalação) na concepção da coreógrafa. Pudemos finalmente assistir ao modo como a habitabilidade de grandes espaços se produz através do corpo dançante e repousante.

Pudemos finalmente percepcionar o espaço dessa antiga fábrica, de dentro para fora, projectada sobre o rio Spree, que é o rio que atravessa as partes mais antigas da cidade de Berlim, embora o antigo e o contemporâneo se misturem nesta cidade em permanência.

DVD visionados:

KRAMER, Brigitte, Sasha Waltz – A Protrait, ARTHAUS MUSIK, 2014, Rehearsal, 72 mins.

KRAMER, Brigitte, Sasha Waltz – Rehearsal, ARTHAUS MUSIK, 2014, Rehearsal, 22 mins.

 

http://www.radialsystem.de/rebrush/downloads/RADIALSYSTEM%20V_en_web.pdf

 

 


Nós com Bach no Gabão

10 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Bach e outros artistas

 

Tem a música com a matemática uma relação antiga e profunda que o pensamento ocidental equaciona desde o tempo de Pitágoras, o sábio que era capaz de associar os mistérios cosmogónicos com um padrão matemático, defendendo até que a harmonia das esferas estaria directa e intimamente relacionada com a música. Pitágoras foi tocador de lira (o instrumento essencial aos poetas), estudou aritmética e geometria, foi astrónomo e terá poetado em horas livres. Consta que Pitágoras poderia ter afirmado qualquer coisa como isto: «A geometria está presente na vibração das cordas.» «Há música no espaço entre as esferas.»

Esta linha de pensamento tem até hoje cultores indefectíveis e se há representante maior deste casamento ele é Johann Sebastian Bach. Pergunto-me: É preciso ser um grande matemático para ser apreciador da música de Bach?

As nossas duas últimas aulas existiram para demonstrar várias coisas, entre elas a vontade de negar a pergunta que agora coloco. Se é verdade que Bach foi um compositor que inovou extraordinariamente a música do seu tempo, privilegiando a ideia de expansão e síntese, a perfeição técnica, a devoção ao princípio de que a beleza está na ordem, que é aliás um dos paradigmas para os quais tende a própria criação do mundo no pensamento pitagórico, o facto é que nos deveremos alhear do lugar-comum de que só os músicos profissionais ou, neste caso, os matemáticos-músicos estão capacitados para fruir música tão complexa como a de Bach.

O compositor alemão desejou exprimir emoções através da sua arte que abrangia a execução de vários instrumentos (órgão e cravo em primeiro lugar) para além da maravilhosa composição polifónica. Bach também ensinava os seus alunos a decifrarem problemas no seio de fugas e cânones, de pequenas obras e de portentosos diálogos musicais com o divino e o profano. A música de Bach é profundo sentimento dentro de uma simetria. Ela transforma, transforma-se, e mantém-se ao mesmo tempo com uma identidade própria. Nela existe uma geometria, uma organização da forma que permite o reconhecimento de cada parte num todo e que progride até ao fim de cada partitura como articulação e assimilação de padrões repetidos e expandidos. Talvez esteja aqui o enigma de Bach.

Comprovámos que a música de Bach, no seu tempo estranha ou desconhecida a muitos ouvintes, é alvo de profícua revisitação até aos nossos dias: diversidade instrumental, recriação genológica (o caso de Jacques Loussier e o seu trio) mas curiosamente vivíssima através de um diálogo cultural inovador que associa instrumentos e vozes de cidadãos de Lambarena no Gabão (África ocidental) a artistas convidados como Naná Vasconcelos, percussionista brasileiro recentemente falecido, ou ao contratenor francês, natural de Marselha, Alain Aubin, aos músicos argentinos de tango e jazz Osvaldo Calo e Tomas Gubitch, ao arquivo de Bach em escolhas múltiplas. Os processos que informam estes encontros musicais na obra Lambarena – Bach to Africa configuram uma estética consequente e libertadora de representação musical e corpórea.

Apesar de não termos acesso a imagem visual do conteúdo de cada faixa do CD, não só somos solicitados a imaginar os movimentos executados pelos cantores e bailarinos durante as suas interpretações, como adquirimos passagem para um lugar que desconhecemos através da fusão da música de um compositor do séc. XVIII com as tradições musicais de um relativamente pequeno país africano. Somos ainda suscitados a aderir de forma natural e espontânea aos ritmos e cadências que nos invadem, quer eles sejam Bach, música tradicional do Gabão, através de línguas que desconhecemos (alemão, línguas nativas) e que exprimem formas de encontro com o sagrado e o profano. De modo mais lento ou frenético esquecemo-nos da densidade bachiana e dos medos anteriores à experiência artística em questão.

 

CD escutado e comentado:

Lambarena – Bach to Africa

Hänssler Edition Bachakademie: St. John Passion BWV 245; Suites for Solo BWV 1007-1012; Sonatas & Partitas for Solo Violin BWV 1001-1006

 

Outros materiais escutados e visualizados encontram-se em arquivo no You Tube


O arquivo e o que com ele podemos fazer

8 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Bach e outros artistas

 

Iniciámos um núcleo investigativo e experimental dedicado a Johann Sebastian Bach (1685-1750) e a algumas das suas partituras. Escolhemos para audição múltipla a Toccata e Fuga em Ré menor BWV 565, escrita entre 1703 e 1707.

Nesta época Bach costumava procurar um dos seus mestres, Dietrich Buxtehude, para escutar a sua música. Quando isto acontecia, ele deslocava-se a pé por uma distância de cerca de 300 Km para com ele aprender a compor e a improvisar.

Esta obra para órgão do período juvenil de Bach é reveladora de um grande virtuosismo mas ao mesmo tempo parece ter a faculdade de se tornar atractiva para ouvintes leigos e menos familiarizados com a arte deste compositor do Barroco. A criação de temas (como na literatura ou na pintura) inscreve na obra uma estrutura esquelética que a irá suportar até ao fim, sempre com variações e expansões de tema, criando um desenho contrapontístico de grande finura. Argumento e contra-argumento dialogam com vivacidade e espraiam-se na tessitura musical desencadeando grande dinamismo e movimento na expressão musical. Sentimos por vezes que somos sugados por um vortex que nos engole. A música de Bach tem esta genialidade que a universaliza.

Pelas suas características composicionais únicas Bach não pode ser imitado mas pode ser recriado. Muitos artistas têm-se ocupado desta possibilidade oferecendo à memória da arte do músico alemão um tributo de reconhecimento e admiração.

Partindo de um arquivo aberto têm-se multiplicado as iniciativas artísticas em torno da obra de Bach.

A nossa opção de exemplificar este movimento estético a partir de Bach aparece-nos sob a perspectiva de mudança de instrumento. Para a partitura que escolhemos e que foi escrita para órgão aparecem intérpretes de órgão (Ton Koopman, Kay Johannsen e já antes Karl Richter), harpa (Marcelina Dabec), acordeão (Delmo Luiz Tartarotti, que não colheu os vossos favores). Outras opções serão ainda possíveis. O Youtube oferece propostas para todos os gostos.

O que procuramos nós na observação destes intérpretes? Como pode uma composição tão elaborada despertar emoções em ouvintes eruditos e ao mesmo tempo receber a atenção de pessoas simples ou não educadas musicalmente que com ela se encantam? A música de Bach faz dançar os corpos e cria neles elevação.

Começámos por escutar a Toccata e Fuga sem imagem visual. Passámos a seguir para a audição da partitura com visionamento do intérprete. Esse visionamento permitiu perceber como cada músico se relacionava com o instrumento de execução e como lhe transmitia também a sua emoção, até a musculatura, como foi o caso da pequena harpista polaca. Que juízos de valor fizemos acerca dos exemplos observados?

A arte de Bach toca-se e canta-se em igrejas e em palcos, em pequenos espaços, ao ar livre e por todo o planeta. A partir desta experiência passámos a ser capazes de integrar o ilimitado número dos escutadores de Bach, através de sucessivos visionamentos e audições, imaginando ou não a partitura, uma partitura desenhada em pauta mas talvez também dentro de nós. Tornámo-nos parte do arquivo original do compositor na qualidade de receptores de obra artística.

O extraordinário alcance da música de Bach tem, aliás, permitido que ela ganhe influência junto da cultura pop. É o caso, por exemplo, dos dois músicos anónimos que tocam com os pés a mesma partitura num piano gigante dentro de uma loja de brinquedos num centro comercial nos EUA.

Orientámos a nossa visita a Bach através de um exemplo maior da arte arquivística transeuropeia. Fomos até África em busca de dois homenageados: Bach e Albert Schweitzer (1875-1965). O médico alemão, nascido numa região que hoje pertence à França (Alsácia), era muito dotado para a música que estudou através do órgão. Bach foi sempre o compositor da sua eleição, dedicando-lhe obra por ele inspirada. Filantropo por natureza, Albert Schweitzer consagrou toda a sua vida profissional como médico a missões por terras africanas. Tendo passado pelo Mali e Senegal, estabeleceu-se com a sua mulher Hélène Bresslau junto ao rio Ogooué em Lambarena no Gabão. Aí costumava ouvir as obras de Bach num gira-discos colocado no pátio da casa onde vivia. Os nativos da região aprenderam com Schweitzer a apreciar uma música que não conheciam e que integraram nas suas próprias tradições musicais.

Escutámos algumas faixas de um CD de tributo a Bach, Schweitzer e aos músicos e cantores do Gabão. Voltaremos ainda a Lambarena. Aflorámos Bach no Brasil com os irresistíveis ritmos do samba.


Onde acaba o ser-se selvagem?

3 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Saída de Campo à Igreja de São Roque para assistirmos ao espectáculo de música e canto mariano pelo Concerto Atlântico, dirigido por Pedro Caldeira Cabral. (28 de Outubro, 21:00 – 22:30).

Esta saída cultural procurou familiarizar os alunos com um espaço representativo com características específicas maioritariamente apropriadas à celebração religiosa. No entanto, o programa escolhido e apresentado, dedicado à para-liturgia e à devoção a Santa Maria, incluía peças musicais e cantadas que integraram autos de Gil Vicente e de Juan del Encina, poeta espanhol do séc. XVI.

Daremos atenção aos diários de bordo daqueles que estiveram presentes neste acontecimento após realização da próxima saída de campo.

 

Concluímos a unidade primeira do programa dedicada à peça Gaspar de Peter Handke que absorveu ao longo do seu percurso diversas outras obras ou partes de obra que com ela mantiveram conversação. Recordamos o relato para-judicial de Anselm Feuerbach, Caspar Hauser – An Account of an individual kept in a dungeon, separated from all communication with the world, from early childhood to about the age of seventeen, o filme de Werner Herzog O enigma de Kaspar Hauser, algumas das proposições de Ludwig Wittgenstein retiradas do seu Tratado Lógico-Filosófico.

Com a projecção do filme de François Truffaut L’enfant sauvage (O menino selvagem) foi possível acompanharmos a reconfiguração artística da história de Victor de Aveyron, uma criança que no séc. XVIII é encontrada casualmente a viver no meio de uma floresta junto à localidade de Aveyron, em Saint-Sernin sur Rance, no sul de França.

Para além da realização do filme, Truffaut desempenha nesta película o papel de Jean Marc Gaspard Itard (1774-1838), o médico e pedagogo que estuda o comportamento do Victor histórico em conjunto com Philippe Pinel (1745-1826), um dos primeiros clínicos na área da psiquiatria do seu tempo a defender que a doença mental devia ser tratada, atendendo a todas as necessidades dos doentes e não rejeitando-os e ostracizando-os.

O filme de Truffaut não privilegia o contacto experimental e documental entre colegas (Itard-Pinel) embora haja referências a essa relação científica. Aos 59m e 36s, Itard menciona, ainda céptico, o apoio especializado de Pinel como argumento para continuar a poder pagar à governanta, Madame Guérin, o seu trabalho com Victor: «O cidadão Pinel persuadiu a Administração de que as crianças retardadas que ele observou em Bicêtre têm traços em comum com o Menino Selvagem de Aveyron, e que, por isso, Victor não é capaz de ser sociável e nada há a esperar da continuação da sua educação.» Pinel é neste caso a voz da autoridade científica e Itard acaba por poder continuar a estudar o comportamento do seu pupilo. Itard mantém um diário de observação dos comportamentos e reacções de Victor. Deste ponto de vista, a personagem Itard no filme adquire uma metodologia inspirada nas opções do médico e pedagogo Jean Marc Gaspard Itard. A componente documental é avivada no filme através deste procedimento.

Se pensarmos em Gaspar e em Victor, encontramos substanciais diferenças no processo de sociabilização e aprendizagem. No entanto, Itard sujeita Victor a experiências dolorosas, em particular, no campo das emoções. Significa isto que, apesar de haver para Victor um tratamento humanizado e de claro afecto da governanta e de Itard para com a criança, e de existir todo um programa progressivo de captação e interacção com o espaço, e com os objectos nele presentes, na aquisição de linguagem (os primeiros sons, o nome, a identificação de objectos, suas imagens visuais e correspondências), o menino de Aveyron nunca perde a sua ligação à vida na natureza. A esta opõem-se as leis da civilização, que regem o seu viver nos arredores de Paris, nos finais do séc. XVIII. A brutalidade do mundo natural exerce, apesar disso, um fascínio permanente sobre Victor que usa as janelas e as pequenas saídas em passeio como forma de equilíbrio transitivo entre o fechamento do espaço interior e o mundo exterior. A criança de Aveyron adquire a capacidade de manter relações sociais com os seus mais próximos num gesto de reconhecer neles a sua família, sem perder a ligação estreita ao mundo natural, deixando, porém, de viver como um selvagem.

 

Este filme, tal como a peça de Handke e o filme de Herzog, baseia-se em factos reais.

 

 

Leitura recomendada

http://webpages.fc.ul.pt/~ommartins/cinema/dossier/meninoselvagem.pdf

 

Filem visionado:

TRUFFAUT, François, L’ Enfant Sauvage, O Menino Selvagem 1970, 1h 21m 21s 


Feriado de Dia de Todos Os Santos

1 Novembro 2016, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Feriado de Dia de Todos Os Santos.