Sumários

Balanço sobre as Matérias Ministradas nos Pontos 1, 3 e 4 do Programa.

10 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Balanço geral das matérias ministradas. O papel da História da Arte com o aval que a Teoria das Artes lhe transmite, reforçando o seu grau de intervenção. A História da Arte é cada vez mais um serviço público com causas sociais e com força de intervenção política. Aprender a fruir a Arte e a História (a sua e a de todos), nem que seja a partir das ruínas que procedem da devastação das guerras e da cupidez das rapinas, ajuda a avivar as identidades culturais. Vem, aliás, recriar aquilo que podemos chamar 'pontos de encontro entre as diferenças', acima das barreiras étnicas, religiosas, linguísticas, culturais ou ideológicas. Em suma: os indícios testemunhais do património aproximam. Recentemente, por causa das novas guerras de cobiça que fragilizam o mundo (sempre em nome da intolerância cega na busca do lucro desenfreado), o tema tem sido alvo de muitas aproximações, destacando-se o sentimento de que as artes têm. sem dúvida, um forte potencial de reconciliação. Dessa esperança humanizada registo o depoimento de uma refugiada síria, arquitecta e museóloga, que ainda há poucos dias nos lembrava ser a arte uma linguagem universal para enfrentar a morte. O campo cultural mobiliza e unifica, traz consciência esclarecida sobre as valências desse 'bem comum', esclarece as pessoas contra o fel da intolerância e do preconceito, reforça pontes em nome das identidades mais fundas, e ajuda a construir um sentido de cidadania de partilha. São valores essencialíssimos da Democracia, um campo imenso de trabalho: a fruição das artes é um potencial de reconciliação. Se bem pensada e usada, a História da Arte é mesmo um serviço público com causas sociais fortíssimas. 


Teste de Teoria da Arte (1ª chamada)

8 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

TESTE DE TEORIA DA HISTÓRIA DA ARTE – Licenciatura em História da Arte

(1ª chamada) – 15 de Maio de 2017 

(2ª chamada: 19 de Maio)

 

                                                                                                                                       I

Leia atentamente as sete seguintes questões e responda de modo suficiente, com estilo claro e bem organizado, com recurso a exemplos se e quando necessário, a apenas TRÊS delas:

 

1. Defina as condições e limites inerentes ao conceito de artworld tal como foi definido pelo filósofo e crítico de arte Arthur C. Danto, à luz da sua perspectiva de trans-contextualidade. 

2. A possibilidade de as obras de arte intervirem como factores de reconciliação, ou mesmo como «remédio para os males que afligem a humanidade», foi expressa pelo humanista Benito Arias Montano (1527-1598) e constitui tópico da sua doutrina estética. Comente este postulado (comum, aliás, a outros autores) à luz da sua possível utilidade na produção e crítica das artes contemporâneas.

3.  Quais os limites que foram, de modo geral, apontados à prática da Iconologia como processo de análise das obras de arte ? Em que medida esses ‘limites’ são exactos, ou podem ser superados ? (existirá mesmo uma Nova Iconologia ?)

4.  Porque ordem de razões, segundo o historiador de arte Giulio Carlo Argan, a História da Arte e a Crítica da Arte são faces da mesma moeda ? Face ao alargamento do campo de estudos (artes pós-coloniais, arte outsider, produções periféricas, feminismo, novos suportes artísticos, etc), como se atesta hoje a validade dessa aparente dicotomia ?

5.  Explique, recorrendo a um exemplo adequado, em que medida o conceito de Cripto-História da Arte veio alargar as possibilidades de intervenção analítica e crítica da História da Arte ?

6.   O contributo do marxismo no campo da Teoria da Arte encontra no conceito de ideologia imagética formulado por Nicos Hadjinicolaoui (1973) um papel significativo. Defina o conceito e o papel dessa corrente no quadro da História Crítica da Arte.

7.  Que «razões» profundas explicam o iconoclasma como prática comum ao longo da História e em que medida tal comportamento destrutivo pode ser visto como terreno fértil para a História da Arte ?

 

                                                                                                                                      II 

Leia atentamente os dois seguintes textos e escolha apenas UM deles para um comentário claro, bem estruturado, suficientemente desenvolvido e com reflexão original.


1. Ao caracterizar as indústrias culturais, assente numa perspectiva dialéctica sobre as lógicas de consumo da sociedade capitalista, Theodor Adorno (1903-1969) situa as obras de arte no quadro da categoria estética do inefável, ou inexprimível: «Uma visão globalizante e ontológica sobre o mundo da arte define as linhas-mestras da produção à luz do que ela traz de perene e de sublime: a impressão renovada, o debate aberto, as questões agitadas, a marca das formas tácteis, o movimento contínuo algures entre o efémero e o inesgotável»... Comente este texto da Teoria da Estética de Adorno, sem esquecer o conceito de aura de Walter Benjamin. E pergunta-se: não será o conceito de sublime, definido por esse filósofo da Escola de Frankfurt, uma justificação para a História-Crítica da Arte dos dias de hoje ?

 

2. Como afirmou o historiador de arte e iconólogo alemão Aby Warburg (1866-1929), «a História da Arte é a investigação orientada e inter-disciplinar que visa o entendimento globalizante (estético, histórico, ideológico, contextual, trans-contextual) das obras de arte à luz da compreensão dos seus ’pontos de vista’ intrínsecos, isto é, das condições culturais, políticas, socio-económicas, ideológicas, perdurações, continuidades – ou seja, o entendimento iconológico das obras». Comente o texto, integrando-o na perspectiva que pode existir, hoje, da prática de uma História da Arte em novos moldes operativos, sem esquecer que a História da Arte será, de certa maneira também, uma arqueologia de memórias, e em referência ao conceito de nachleben, formulado por Warburg.

 



Ainda a Teoria das Artes na Contra-Reforma: o caso da Évora de D. Teotónio de Bragança.

3 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Aborda-se, na sequência do estudo do DECORUM e da teoria estética que o Concílio de Trento promulgou, a figura de D. Teotónio de Bragança à frente do Arcebispado de Évora em 1578-1602, mostrando a importância dos seus empreendimentos construtivos e de decoração artística e o modo actualizado como adaptou os princípios tridentinos do ‘restauro storico’ e de revitalização das ‘sacrae imagines’ em lugares de alegado culto paleo-cristão. O prelado, leitor de Cesare Baronio e S. Carlo Borromeo, desenvolveu um novo tipo de arquitectura sacra servindo-se de artistas de formação romana, como o seu arquitecto e escultor Pero Vaz Pereira. A arte que nasce em Évora no fim do século XVI, sob signo da Contra-Maniera, atinge assim um brilho que rivaliza com os anos do reinado de D. João III e do humanista André de Resende. Velhos cultos e novos temas iconográficos emergem com D. Teotónio, como os de S. Manços, S. Jordão, S. Brissos, Sta Comba, S. Torpes e outros mártires considerados eborenses. Fez encomendas em Madrid, Roma e Florença para enriquecer a Sé e o Mosteiro da Cartuxa, por si fundado. Trata-se, portanto, de um capítulo notabilíssimo da arte portuguesa sob signo de Trento, que merece ser devidamente analisado.  

Foi especialmente relevante o papel de D Teotónio de Bragança (1530-1602), quarto Arcebispo de Évora, na implementação dos valores de reforma que a Igreja Católica assumira com o Concílio de Trento (1545-1563). Embora sempre se tenha destacado mais no seu múnus o aspecto catequético, em termos de revisão teológica, de apoio assistencial e de estratégias a favor da Arquidiocese (em contraste com o governo precedente do Cardeal-Infante D. Henrique, um homem da Renascença), a verdade é que tal acento de proselitismo contra-reformista só foi possível porque ele dispôs de uma base muito sólida de investigação histórica, assente num gosto romanizado e na consciencialização da importância de um património comum. Nesse sentido, a figura de D. Teotónio de Bragança mostra (como aliás já acentua o seu capelão e biógrafo Nicolau Agostinho) um originalíssimo perfil de prelado imbuído de intuitos renovadores. A sua acção construtiva não se resume a obras de eleição como foram os Mosteiros da Cartuxa de Scala Coeli e de Santo António da Piedade, ambos muito conhecidos e bem estudados. Durante os vinte e três anos de governo daquela que era uma das maiores arquidioceses da Cristandade, o ilustrado epíscope preocupou-se em recuperar o património paleo-cristão, em definir estratégias de restauro storico segundo as directrizes romanas de autores como Cesare Baronio, e em organizar os programas de decoração sacra das igrejas dentro dos princípios romanos promulgados na Roma Felix e dominantes durante o pontificado de Sisto V (1585-1590)  Essas linhas caracterizadoras de desenvolvimento da Évora teotonina assinalam um caminho que, em reacção aos ataques da Reforma protestante, atestou as valências da antichità christiana do seu historial, reforçada pela afirmação de santos eborenses como São Manços, São Jordão, Santas Comba e Inonimata, Santos Vicente, Sabina e Cristeta, São Torpes, São Cucufate, São Brissos, e outros alegados mártires alentejanos da era paleo-cristã em parte já assinalados nos textos dos humanistas (como o de André de Resende, Historia da Antiguidade de Cidade de Evora, 1553), mas que são nesta altura alvo de novas investigações e de uma política de reabilitação construtiva dos lugares de devoção.

Trata-se, por isso, de uma personalidade relevante e absolutamente original no contexto do mecenato português do século XVI. Com ele, as directivas conciliares de Trento não se resumiram a novos dispositivos de organização da Igreja e de controlo da sua estratégia imagética, antes incorporaram uma reflexão profunda sobre as bases histórico-arqueológicas do Cristianismo no território eborense sob sua jurisdição. É certo que, como escreveu Flávio Gonçalves, «a Igreja apoderou-se nesse período do comando da arte religiosa, a fim de a expurgar das notas tidas por censuráveis e de promover uma iconografia de combate, de testemunho e de catequese», mas a par dessa defesa do papel didascálico das imagens sagradas contra o falso dogma, D. Teotónio soube aplicar o conceito e a prática do restauro histórico (tal como, desde Roma, defendera o Cardeal Baronio). Utilizando a experiência e o pramatismo contra-maneirista dos seus arquitectos (um deles, Pero Vaz Pereira, mandado formar por ele na própria Roma), o Arcebispo reformulou velhas igrejas góticas da cidade, como São Tiago, por exemplo, conferindo-lhes um gosto mais consentâneo com o que entendia ser uma espécie de espacialidade comunitária. Nos interiores, defendeu uma linguagem exuberante (em contraste com a austeridade dos exteriores), recorrendo a programas de arte total onde a talha dourada, a obra de massa, o stucco e o fresco se unem para moldurar paredes e coberturas, ritmar alçados e criar um gosto ornamental de novo tipo, por certo inspirado nas igrejas romanas da era de Sisto V. A renovação da igreja de São Tiago, na cidade, e das matrizes das freguesias rurais de Nossa Senhora da Graça do Divor e de São Pedro da Gafanhoeira, são bons exemplos deste gosto teotonino, aliás seguido depois, com idênticas tipologias, em tantas paróquias e casas monacais da Arquidiocese durante o múnus do seu sucessor D. Alexandre de Bragança. O recurso a um escol artístico de eleição -- como foram os arquitectos Mateus Neto, Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira, os pedreiros Jerónimo de Torres e Jorge Pechim, os entalhadores Ascenso Fernandes e Diogo Nobre, os pintores Francisco João e Custódio da Costa, o fresquista José de Escovar, o ourives João Luís, o bordador António Garcia, e outros artistas eborenses cujas actividades vão sendo aos poucos melhor esclarecidas, sem esquecer os estrangeiros, como o neerlandês Duarte Frizão, que foi o pintor ao serviço do Arcebispo e faleceu em Outubro de 1596, e o pintor também nórdico Isbrant de Renoy, activo para os carmelitas de Évora -- mostra as possibilidades abertas para a concretização do projecto renovador tridentino do Arcebispo. Sabemos, por nova documentação, que fez encomendas custosas de esculturas em Valladolid, de têxteis em Lisboa, de paramentos e pratas em Florença; e que à data da morte, tinha em curso a intenção de comprar vestimentas litúrgicas numa oficina florentina, compra essa que foi inviabilizada pelo governo de sede vacante. Vemo-lo, assim, a enriquecer substancialmente os acervos catedralíceos, a promover novos temas iconográficos, a valorizar o estatuto social dos artistas a seu serviço, e a definir uma tipologia construtiva distinta da que pautara a arquitectura eborense precedente. Todo este esforço para modernizar a produção artística, qualificando-a com bases históricas e segundo os preceitos da ars senza tempo, transformaram a Évora do final do século XVI num caso excepcional de sucesso em termos construtivos e de renovação do seu património, que merece ser investigado. Neste sentido também (e apesar dos surtos de pestes ou de anos de carestia devido a más colheitas agrícolas), a cidade de Évora dispõs de circunstâncias privilegiadas para assumir os dispositivos tridentinos nas suas componentes fundamentais de prestígio histórico, de assistência cívica, de organização social, de memória paleo-cristã e de dinâmicas de crescimento.

Foi fundamental para a formação intelectual e teológica de D. Teotónio o papel doutrinário renovador do Concílio de Trento, muito em especial a faceta de valorização do património histórico e arqueológico paleo-cristão, o que conduziu os responsáveis da Igreja Católica a desenvolver, dentro da sua reorganização global pós-conciliar, uma prática de conservação e valorização dos lugares de culto do cristianismo primevo. Essas bases doutrinárias estão consubstanciadas nas obras de autores como os Cardeais Cesare Baronio, Carlo Borromeo, Roberto Belarmino e Gabriele Paleotti, sem esquecer também o papel do português D. Frei Bartolomeu dos Mártires, Arcebispo de Braga com presença em Trento, obras essas com presença certa nas bibliotecas eborenses, como era a do Arcebispo, ou a dos nobres Castro, Condes de Basto e governadores militares da cidade. A arquitectura sacra foi repensada no âmbito do Concílio de Trento seguindo o princípio da Restauratio est Rinnovata Creatio, que D. Teotónio acolheria, ao defender a subordinação do espaço sacro a uma liturgia empenhada em seduzir e esclarecer (animos impellere), tomando como acento o valor histórico-arqueológico e devocional, motor da intervenção sobre as preexistências, transformadas por necessidades de adaptação ao crescimento das comunidades (instaurare). O conceito de restauro storico do oratoriano Cesare Baronio, «peritissimus antiquitatis», assentou nessa revalorização do papel do historiador como investigator veritatis capaz de adaptar os espaços sagrados às novas funcionalidades do tempo, sem lhe retirar autenticidade. Por isso, o papel das artes de decoração como fonte afectiva, documental e pedagógica, Ad Perpetuam Rei Memoriam vs. Ad Majorem Gloria Dei, torna-se um verdadeiro programa de valorização patrimonial da Igreja. A recuperação do locus sacrum através de um tipo de «restauro devoto», apto a devolver função litúrgica do espaço que os tempos desmemorizaram e arruinaram, enriquecido entretanto por actualizações estéticas mas com atenção às questões conservativas, é assunto que está em debate na Évora deste momento, dentro da tradição humanística, de Resende a Severim de Faria. Surge assim, com as teses de Baronio, uma defesa consequente do facto histórico através da compilação da História da Igreja, com análise rigorosa das fontes documentais, filologicamente organizadas, e com estudo arqueológico das preexistências arquitectónicas (paleocristãs, românicas ou mesmo góticas), o que permite seguir um método de revalorização do património católico com eco na Arquidiocese de D. Teotónio. Como já se afirmou, «as fontes históricas passam a ser objecto de dupla investigação, filológica e patrimonial, abrindo campo dos arquitectos, escultores, pintores, douradores, imaginários, entalhadores, estucadores, azulejadores, ourives e outros artistas para o cumprimento de uma espécie de arte senza tempo pontuando o triunfo de Roma e a autoridade absoluta da Igreja Católica». Com as obras de Baronio, definiram-se os princípios que deviam regular o restauro storico dos velhos lugares de culto paleo-cristão e, bem assim, as normas para uma arquitectura tridentina senza tempo. O restauro da igreja de São Nereo e Acchileo, em Roma, obra que o Cardeal orientou, foi uma intervenção modelar no que toca ao respeito pela preexistência, tal como prescreviam os princípios tridentinos, depois de o templo ser devidamente estudado e analisado. Para os conceitos baronianos, segundo Gabriella Casella [4], as igrejas paleocristãs e medievais deviam ser vistas a essa luz e como opus antiquitatis, ou monumentos, pelo que era imperioso restaurar as suas estruturas, e as suas decorações de tipo neo-constantiniano, em respeito à estratificação do tempo. Existe uma dimensão de encomenda heróica, acto providencial de agentes tutelares, com intervenção apta a preservar a memória do sítio hierofânico assente em avaliações qualitativas das existências e das intervenções recomendadas. É por isso que a cumplicidade territorial e a memória histórica da Igreja se fundem, como afirma explicitamente nos Annales, numa força identitária cristã que é comum à vastidão dos territórios abrangidos e que vem consolidar a sua própria auctoritas. O Papa Gregório XIII, que Baronio tanto elogiou pela sua politica de restauro, enviou em 1572 o Breve Cum sicut ao Arcebispo e Vigários de Braga, onde ordenava que os eclesiásticos custeassem a restauratio das antigas igrejas para proveito da auctoritas romana. Os valores baronianos surgem aplicados à realidade portuguesa, também, no manuscrito De Antiga et Veneranda Species Aedificatione Religiosa in Regni Portucalensis Pro Maxima Causa Christiana descoberto por Gabriella Casella na Biblioteca Vallicelliana de Roma, onde a identidade lusitana se reforça de carácter providencial através das crónicas que aludem a milagres, relíquias e santos locais – ou seja, uma hagiologia autóctone que assenta numa encomenda heróica que integra discursos documentais e memoriais. Esse manuscrito, firmado com o monograma M.L., prova a força de um método baroniano-tridentino aplicado às várias regiões, onde a intenção apologética reforça o peso da antiguidade cristã e a identidade de uma comitência nacional. Embora não referindo especificamente no caso de Évora, refere-se o papel histórico assumido por Portugal na intenção subliminar que Baronio lhe atribuía: o seu contributo para a Reconquista da Península e a cristianização do território, traduzida na aedificatione ecclesiae et fondatione monasterii per mano genus portucalensis.


BIBL.

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Espanca, Túlio, Inventário Artístico de Portugal. VI. Concelho de Évora, Lisboa, Academia Nacional de Belas-Artes, 1966.

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Mangucci, Celso, «Anatomia da Arquitectura da Igreja da Colegiada de Santiago de Évora», Boletim do Arquivo Distrital de Évora, 1, Julho de 2014, pp. 27-39.

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Resende, André de, História da Antiguidade de Cidade de Evora, Évora, Off. de André de Burgos, 1553.

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Zuccari, Alessandro, «Baronio e l’iconografia del martirio», Cesare Baronio tra santità e scrittura storica, Roma, Viella, 2012, pp. 445-501.

 


O Concílio de Trento e as teorias contra-reformistas sobre arquitectura, arte e imagem.

26 Abril 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

O conceito de restauro storico: Ad Perpetuam Rei Memoriam VS. Ad Majorem Gloria Dei.

O controlo da representação das “imagens sagradas” assumiu, com a XXXVª sessão do Concílio de Trento, em 3 e 4 de Dezembro de 1563, um especial acento ideológico e programático que terá largos efeitos até ao pleno século XVIII. “A Igreja apoderou-se nesse período do comando da arte religiosa, a fim de a expurgar das notas tidas por censuráveis e de promover uma iconografia de combate, de testemunho e de catequese”, como diz escreveu Flávio Gonçalves grande especialista no campo da iconografia sacra, dando corpo, assim, à vasta reacção contra os ataques da Reforma protestante e os seus efeitos. As directivas tridentinas nesta matéria tiveram imediato acolhimento no seio do mercado intestino das artes, fossem os encomendantes ou os artistas envolvidos na produção destinada ao culto, uns e outros dependentes de uma vasta estrutura de controlo vigilância a que as Constituições Sinodais dos bispados deram corpo de lei e os visitadores episcopais da Igreja prática de censura, quando não repressiva. Apesar de essa nova situação ser de absoluto controlo cerceadora das liberdades criativas, é certo que também foi estimuladora de um novo espírito de solenidade e eficiência dos resultados artísticos, acentuando-se uma significativa melhoria nas condições estatutárias dos pintores e demais artistas portugueses que trabalharam para o mercado religioso.

Tal como estabeleceu o Concílio de Trento na sua derradeira sessão, as imagens sacras servem para “anatemizar os principaes erros dos hereges do nosso tempo”, e por isso buscou adequar a sua representação a uma finalidade de combate contra a heresia iconoclasta do calvinismo e de reafirmação do sentido tradicional do culto em afirmação catequética. Retomando directrizes do velho Concílio de Nicéia II, proibiu-se “que se exponha imagem alguma de falso dogma”. Defendeu-se o papel das imagens sacras como intermediárias de fé e a multiplicação nos locais de culto de imagens representações  de Cristo, da Virgem e dos santos, numa acção clarificada face a qualquer espécie de idolatria, ou seja, não para se lhes prestar um culto só devido a Deus, mas reforçando o seu papel salvífico como intermediárias de oração. Definiu, também, a necessária qualidade, imprescindível para a eficiência das reproduções artísticas dos mistérios da fé, tornando-as credíveis, no sentido de as adequar a objectivos pedagógicos junto das populações. Abriu-se, também, por isso, uma frente de combate contra as chamadas “imagens de falso dogma” e de “formosura dissoluta”, em muitos casos alvo de alterações impostas ou de destruição pura e simples. Afirmou-se a intenção de ensinar que a divindade não é percebível pelos sentidos nem através de cores ou formas, mas que estas são demasiado importantes pois concorrem para abrir os olhos da alma. O papel renovador do Concílio de Trento para valorizar o património secular da Igreja Católica assentou e teve ênfase na sua reorganização global, numa prática que teve acento na conservação e reconquista da sua auctoritas, na valorização do cristianismo primitivo, na afirmação litúrgica dos cultos específicos (o culto mariano, dos santos, das relíquias e das imagens sagradas) e a definição de princípios artísticos normativos e de controlo da ecclesia. Com a última sessão conciliar e o debate sobre as normas de representação, a arte sacra passou a reforçar a primeira linha desse princípio da auctoritas, face aos ataques protestantes.

As bases doutrinárias do Concílio de Trento encontram-se, nestas vertentes, reflectidas em obras dos cardeais Cesare Baronio, Carlo Borromeo e Gabriele Paleotti, e outros autores, nos quais a noção de tempo e a noção moderna de História se reforçam em argumentação e pesquisa. Os seus livros destes autores tridentinos pesaram na refutação das Centurias de Magdeburgo (Basileia, 1559-74), a compilação de teóricos protestantes (como Iliricus Flacius, entre outros) que criticavam Roma pelo desvio do ideal evangélico. A Igreja Católica assumiu então um moroso caminho de renovação, no qual seguiu um idêntico método de compilação de textos, segundo uma estrutura inovadora, que permitiu fundamentar as bases de um formidável processo de reforma em todas as suas estruturas. Abriu-se uma cruzada apologética dos teólogos católicos, como era o caso do padre jesuíta Roberto Belarmino, que estruturou a defesa teológica da Igreja segundo os princípios tridentinos, através das suas Controvérsias Religiosas (1586-1593). Outra figura de peso no campo da renovação da representação e uso imagem sacra foi o cardeal Gabriele Paleotti, autor do famoso livro De immaginibus sacris et profanis (1582), onde se defendeu que a arte cristã tem devia seguir clareza didascálica, decorum, decoro, rigorismo e apego à ut ars rhetorica divina.

No campo da arquitectura, o princípio da Restauratio est Rinnovata Creatio veio indicar a subordinação do espaço sacro à liturgia e à necessidade de seduzir as almas (animos impellere). O valor histórico-devocional passou a ser motor da intervenção sobre a preexistência, transformada por necessidades de adaptação (instaurare). São obras como esta que permitem compreender o intrincado processo de restruturação intestina levado a cabo pelos renovadores da Igreja Católica e a atenção que tiveram, nesse contexto, aos aspectos plurais da cultura visual. Seguiu esse caminho, com acento especial no campo do património edificado e nas políticas de restauro storico, o oratoriano cardeal Cesare Baronio, autor do Martyrologium Romanum, cum notationibus Caesaris Baronii (Roma, 1598), onde se deu destaque ao papel do historiador como investigator veritatis e ao papel das artes como fonte afectiva, documental e pedagógica. Com Baronio, a defesa dos “factos históricos” através da compilação da história da própria Igreja Católica constitui um pólo de interesses articulados, em que se defendia a análise rigorosa das fontes documentais, filologicamente organizadas, integrando nesse estudo as preexistências arquitectónicas (paleocristãs, românicas e góticas) e seguindo um método de revalorização do património católico em todos os territórios de implantação. As fontes históricas passavam a ser objecto de dupla investigação, filológica e patrimonial, abrindo campo dos arquitectos, escultores, pintores e outros artistas para o cumprimento de uma espécie de arte senza tempo.pontuando o triunfo de Roma e a autoridade absoluta da Igreja Católica.

Figura-chave da teoria artística de signo tridentino, o Cardeal Baronio proferiu em San Girolamo della Carità, entre 1564 e 1567, várias leccios lições sobre a história da Igreja, dando início, nesta última data, à compilação dos seus famosos Annales, com recurso a informação provinda de toda a Europa e do Médio Oriente e a uma eficaz pesquisa de arquivo. Definia-se nessa obra de sólida metodologia, baseada no estudo crítico das fontes, o princípio que deveria regular o restauro storico das velhas igrejas e lugares de culto paleo-cristão e, bem assim, as normas para uma nova arquitectura tridentina senza tempo. Em 1596-1600, nas vésperas do grande jubileu Católico, o Cardeal Baronio coordenou uma tarefa emblemática e que serviria de modelo-âncora para ulteriores intervenções no campo da arquitectura sacra: o restauro da igreja dos Sancti Nereo e Acchileo, em Roma. Aí orienta os trabalhos com pleno respeito pela préexistência e com acento no bom uso desse conceito de restauro storico. Segundo observou oportunamente Gabriella Casella[4], as igrejas paleocristãs e medievais deviam ser vistas, segundo explanava Baronio, como opus antiquitatis, ou seja, como monumentos, pelo que era imperioso restaurar as suas estruturas e decorações em respeito à estratificação do tempo. Assim, o conceito de restauro storico em Baronio é sinónimo de encomenda heróica, de acto providencial de agentes tutelares, de intervenção apta a preservar a memória do sítio hierofânico assente em avaliações qualitativas das existências e das próprias intervenções recomendadas. É por isso que a cumplicidade territorial e a memória histórica da Igreja se fundem, como afirma explicitamente nos Annales, numa força identitária cristã que é comum à vastidão dos territórios abrangidos e que vem consolidar a sua própria auctoritas.

Conquanto geralmente esquecida no contexto da História da Arte, a importância de Baronio foi imensa e as suas obras estavam presentes nas bibliotecas portuguesas do tempo, o que explica o carácter de certas campanhas artísticas jubilares. Foi o caso das obras que decorreram no arcebispado de Braga, ao tempo de D. frei Bartolomeu dos Mártires, personalidade muito influente que participara no Concílio de Trento, em que participou, e das que se atestam no arquiepiscopado de Évora, ao tempo de quando governando por D. Teotónio de Bragança, prelado que leva a efeito patrocinou a dinamização de velhos lugares de culto templos paleo-cristãos do Alentejo e de lugares tradicionais de culto de relíquias, abrindo a Igreja a novas iconografias de representação. O facto de, entre os seguidores portugueses de Baronio, se contarem estes arcebispos tridentinos e, bem assim, o cardeal D. Henrique, abre uma pista importante para caracterizar o munus desses prelados no final do século XVI. Os princípios baronianos aplicados à realidade portuguesa expressam-se bem num manuscrito anónimo intitulado De Antiga et Veneranda Species Aedificatione Religiosa in Regni Portucalensis Pro Maxima Causa Christiana (Roma, Biblioteca Vallicelliana), dado a conhecer por Gabriella Casella Teixeira, onde a identidade lusitana se reforça, à luz de uma espécie de carácter providencial, através da crónica do passado que integra milagres e novos santos locais – uma hagiologia autóctone que assenta numa encomenda heróica de tipo baroniano, com exemplo numa arquitectura que integra discursos documentais e memoriais. Esse manuscrito, firmado com o monograma M. L. (iniciais do seu autor, ou copista), prova a força de um método baroniano-tridentino aplicado às várias regiões, onde a intenção apologética reforça o peso da antiguidade cristã e a identidade de uma comitência nacional. Aí se refere, aliás, o papel histórico que teria sido assumido por Portugal dentro da intenção subliminar que Baronio lhe atribui: a importância do seu contributo para a Reconquista cristã da Península e para o povoamento e cristianização do território, traduzida na aedificatione ecclesiae et fondatione monasterii per mano genus portucalensis. Aliás, o próprio papa Gregório XIII, que Baronio tanto elogiava pelas suas politicas de restauro, enviou, em 1572, o breve Cum sicut ao arcebispo a D. frei Bartolomeu dos Mártires e aos vigários das igrejas de Braga e Lamego aos Vigários das igrejas de Braga e Lamego em que pelo qual ordenava que os eclesiásticos, nas visitações dos seus templos e nas normas sinodais estipuladas, custeassem a restauratio das antigas igrejas para maior proveito da auctoritas romana.


BIBLIOGRAFIA

Anthony BLUNT, Artistic Theory in Italy, 1450 to 1600, Oxford, 1962.

Gabriella Maria CASELLA, O Senso e o Signo. A relação com as préexistências românicas (1564-1700). Contributos para uma História do Restauro Arquitectónico em Portugal, [s.l.]: [s.n.], 2005 (tese de doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).

Flávio GONÇALVES, Breve Ensaio sobre a Iconografia da Pintura Religiosa em Portugal, sep. de Belas-Artes – Revista da Academia Nacional de Belas-Artes, Lisboa, 1973, p. 13.

Flávio GONÇALVES, História da Arte. Iconografia e Crítica, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, Lisboa, 1990 (colectânea póstuma de estudos deste especialista), pp. 111-127.

Vítor SERRÃO, Arte, religião e Imagens em Évora no tempo do Arcebispo D. teotónio de Bragança, 1578-1602, Lisboa, Fundação da Casa de Bragança, 2015. 

Ottavia NICOLI, Vedere com gli occhi del cuore. Alle origine del potere delle immagini, ed. Laterza, Roma, 2011.



Visita de estudo.

24 Abril 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Visita de estudo à exposição de Almada Negreiros na FCG, com orientação do Prof. Pedro Lapa.