Sumários

Arte e teatro: Ut Pictura Theatrum.

29 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Falta-nos ainda uma leitura ampla do papel da imagética artística portuguesa, vista em contexto e em trans-contexto, recorrendo a uma arqueologia de saberes e ao olhar da Iconologia, para que a relação da teatralidade com a literatura e as correntes espirituais possa surgir com outra nitidez e contribuir para dissolver a espuma do tempo que dificulta a leitura integral das obras de arte à luz dos seus sentidos plurais. O ensaio da historiadora de arte Emmanuelle Henin, Ut Pictura Theatrum. Théatre et Peinture de la Renaissance italienne au Classicisme français (Genève, éd.Droz, 2007), abre justamente esse caminho: destaca as similitudes entre a teoria das artes plásticas e os escritos sobre Teatro e arte dramática, e as flagrantes parecenças que existem entre a arte de comover através da pintura de História (seja sacra, política, alegórica ou mitológica) e o drama que se representa em palco.O estudo da pintura 'Representação Teatral na Corte de Lisboa', peça portuguesa da primeira metade do século XVII, exposta no Museu da Cidade, constitui um raríssimo testemunho 'de género' que demonstra a relevância da arte teatral na vida quotidianas olisiponense e no sistema cultural do Barroco. É uma peça deveras importante como retrato explícito de uma representação de teatro na Lisboa seiscentista, considerado como um trecho do Pátio das Comédias e, por isso, de singular valia em termos históricos, iconográficos e artísticos. Pode ser justamente visto a essa luz no contexto da cultura artística do tempo da Restauração, tal como a originalidade de Molière (como diz Henin) decorre do seu talento de pintar a verosimilhança através da caricaturação da vida real.  Modelo eterno das artes da imitação, da ars naturans e da ut pictura poesis, a arte da Pintura passou a assumir os gestos da linguagem, a expressão das emoções vivas e a teatralidade dos discursos humanos.Em muitas obras de arte da Contra-Reforma se revelam sentidos de teatralização profana aliados a dinâmicas sacras dentro de um possível proscénio imaginizável que visa acentuar o poder da retórica comunicativa transcontextual  às artes plásticas, das mais eruditas às de feição ‘ingénua’. Trata-se de estratégias distintas de conceber o discurso da composição, mas com um mesmo sentido: o de perpetuar uma impressão durável de carga simbólica, gerando imagens em movimento perante os espectadores (Figura de jogral tocando alaúde, pormenor de fresco anónimo de 1593 (ou 1597 ?) num ciclo decorativo sacro na igreja matriz de Veigas (Bragança).

Não são muitos os testemunhos existentes na pintura portuguesa da Idade Moderna que, de modo mais ou menos explícito, digam respeito a Teatro, e poucos também são os estudos já levados as cabo em torno das relações entre Artes Plásticas e Teatro em terreno português, se se excluir o caso do importante ensaio de João Nuno Sales Machado, A Imagem do Teatro. Iconografia do teatro de Gil Vicente. Leitura de “Breve Sumário da História de Deos (tese de Mestrado na Faculdade de Letras de Lisboa, 2002), onde o autor aprofunda a relação entre o Teatro de Gil Vicente e os sentidos teatralizantes da pintura coeva e em outras representações na pintura antiga.A arte contemporânea do pós-guerra, ao privilegiar o happening, a instalação, a performance, veio desenvolver novas dinâmicas de teatralização. O papel que na época grega foi atribuído ao proscenio como espaço na representação, ao criar uma espécie de suspensão da acção, gerar novas dimensões trans-contextuais e prolongar o uso da mediação pública, abriu à pintura esse papel de mediador activo (a que aludea obra de Friedrich Kittler sobre o papel mediador das artes),  dotando o discurso pictural de um suporte proscénico imaginizável. A partir da crítica de Platão à teatralidade (desvirtuava a missão da arte, gerava a perda do simbólico e icónico e o equívoco), a exposição no Museu Berardo (CCB) Um Teatro sem Teatro (2007) -- o dadaísmo de Daniel Buren a Mike Kelley, Oskar Schlemmer, Dan Graham, o pós-minimalismo de Bruce Nauman e James Coleman, etc --, propõs uma reflexão sobre intercâmbios entre Teatro e artes visuais. A partir da transformação do espaço clássico do Teatro (Vsevolod Meyerhold, Antonin Artaud, Samuel Beckett, Tadeusz Kantor) e a sua ligação à vanguarda (futurismo, dadaísmo, construtivismo), o fervor inventivo dos anos 60-80 veio assumir tentativas de união entre Teatro e Pintura, com consequências de tais contributos na produção dos mercados da arte. Mostram-se outros sentidos da teatralização e dinâmicas possíveis daquilo que chamamos proscénio imaginizável a fim de se acentuar o poder da retórica comunicativa transcontextual nas artes plásticas:  à esquerda, um pormenor da Tentação de São Jerónimo pelas mulheres demoníacas, pintura maneirista de Simão Rodrigues-Domingos Vieira, c. 1615 (sacristia do Mosteiro dos Jerónimos), e à direita uma pintura de Oskar Schlemmer patente na exposição Um Teatro sem Teatro, no Museu Berardo, CCB, Lisboa, 2007. São estratégias distintas de se conceberem os discursos da composição mas ambas têm um mesmo sentido: o de perpetuar uma impressão durável de carga simbólica. 

O Mundo como Teatro. Estudos de Antropologia Histórica de Peter Burke (ed. Difel, 1992, com  trad. Vanda Anastácio, col. Memória e Sociedade dir. por Diogo Ramada Curto), é um clássico para estudo do imaginário do Teatro e caracterização dos media no contexto da Europa dos séculos XVI-XVII. A visão plural das sociedades, dos sonhos, da história urbana, das crenças populares, da literatura de cordel, da festa e do efémero, da teatralização do poder, das correntes das artes, da reforma das Universidades, abrem-se à análise de Burke e definem uma dimensão comparatista muito ampla. O Teatro, entre outros dispositivos de comunicação influentes, capaz de intervir no espaço da existência humana, torna-se  chave fundamental para a inteligibilidade dos canais de narratividade activa. A série da Vida de São Jerónimo da sacristia do Mosteiro dos Jerónimos, pintada no princípio do século XVII, é um óptimo exemplo desse sentido da narratividade teatralizada aplicável às artes plásticas em tempo de Contra-Reforma e no contexto da arte católica de propaganda.

«Aos milagres do nosso Teatro oferecemos pedaços artesanais do nosso corpo, das nossas criações, guardados nos relicários da alma. O teatro como o lugar do sagrado e do profano em delicada união de opostos. Palco onde nosso corpo é imolado, o ego consumido a procura de coisa maior que ele. Soma de objetos encontrados, procurados, reencontrados no vulgar dia a dia e transfigurados num extra quotidiano a desafiar o racional. Na identificação de cada obra reunir cada fragmento, depois polir ou sobrecarregar na intensão de exprimir a sua essência. Desejo incontrolável de fixar o efêmero, dar-lhe memória, como faz nosso povo imortalizado nas fotografias e nos ex-votos que cobrem as paredes dos santuários. Não esquecermos as graças recebidas - os milagres de cada espetáculo e retribuirmos aqui nestas pequenas oferendas» (Ex-votos Teatrais: José Caldas, 40 anos de Teatro, Museu Nacional do Teatro). 




Eric Hobsbawm e o ensaio «Atrás dos Tempos-declínio e Queda das Vanguardas do Séc. XX».

24 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Atrás dos Tempos-declínio e Queda das Vanguardas do Séc. XX, é o ensaio que  Eric J. Hobsbawm escreveu no virar do ,milénio (trad. Campo das Letras, 2001), onde analisa a produçãso artística tardo-novecentista à luz da (im)possibilidade de gerar rupturas vanguardísticas. O grande historiador tende a contrariar os escritores e compositores que aceitaram a produção de massas e a tecnologia da repetição ilimitada, ou os pintores não quiseram renunciar à obra de arte “única”, realizada com as suas próprias mãos. Esta relutância resultou numa série de “vanguardas” pictóricas estéreis que,  segundo o autor, estavam de antemão condenadas ao fracasso. Será mesmo assim?

Nascido em Alexandria (Egipto), em 1917, Eric Hobsbawm, viveu nas cidades de Viena e Berlim antes de iniciar a sua vida académica em Londres. Considerado um dos mais importantes historiadores da era contemporânea, Hobsbawm, além de militante de Esquerda, utilizou sempre o método marxista para a análise da História a partir do princípio da luta de classes, mas rejeitando o ‘marxismo vulgar’ e tendo defendido o seu compromisso com um certo ideal de comunismo. Sem Eric Hobsbawm não haveria um retrato tão amplo da história dos séculos XIX e XX e dos totalitarismos (e suas razões) nos seus diferentes aspectos. A pós-modernidade e o discurso das artes. Arte, mercado, vanguardas. Novas teorias, métodos e approches pluridisciplinares.

Em tempos difíceis em que os homens vivem a globalização com aspectos plurais e heterogéneos, em que a fisionomia do tempo se redesenha -- a par de um processo em que a desmemória se enraíza, tal como o espaço das grandes diferenças e exclusões se tende a tornar uma coisa banal, em nome da cultura alienante do efémero --, parece importante devolver à História uma das suas linhas operativas de actuação:  ver os factos (e as obras de arte são factos) à luz da sua contribuição o mais possível aproximada, em abordagens que unam o enfoque micro-contextualizado e a dimensão trans-contextual que lhes está imanente. Para a História-Crítica da Arte, revivificada com a crise decorrente do mundo global, o que se coloca é saber re-avaliar o sentido das obras, as ‘antigas’ e as de ‘hoje’ (que são já de ‘ontem’ também), devolvendo-lhes entendimento artístico, a memória do que eram as suas funções, redescobrindo estratégias de sedução que o tempo desvitalizou e refocalizando o caudal de memórias que, afinal, elas nunca deixaram de transportar. Numa cadeira como esta, que busca enfatizar a importância da Teoria da Arte na redefinição da própria metodologia de 'approche' das obras de arte, os vinte autores destacados para análise (caso de Hobsbawm) contribuem para delimitar as linhas de pensamento em que a disciplina se debate: a importância do olhar trans-contextual e trans-memorial, o peso da iconologia, a viabilização da Hiastória da Arte como uma antropologia da memória dos códigos artísticos.


História da Arte, ARTWORLD e Globalização.

22 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Discussão em torno do conceito dsantiano de ARTWORLD e o papel da Teoria da Arte no rejuvenescimento da prática histórico-crítica das artes tal como hoje pode ser praticada. História da Arte e globalização: eppure si muove… Consciência da trans-contemporaneidade das artes. Perspectivas antigas, discursos novos. Fortuna crítica da globalização. O consumismo e o discurso das artes. Globalização e progresso. Investigar com arte, hoje, em Portugal: situação da História das investigações em Arte. História e Crítica da Arte, um destino comum. O conceito de História da Arte total e como parte integrante de uma interpretação globalizante das obras de arte particulares. Iconoclasma e iconofilia: o poder imenso e a fragilidade absoluta da imagem artística. A Iconologia como disciplina humanística: «casos de estudo». Problemas de ordem metodológica, teórica e prática, e ética, na definição do pensamento iconológico. O livro de Arthur C. Danto, The Madonna of the Future. Essays in a Pluralistic ArtWorld, e o futuro da História da Arte como grande disciplina humanística.No artigo “The Artworld”, publicado em 1964, o filósofo norte-americano Arthur C. Danto faz a identificação filosófica de um campo expansivo, a que denomina “mundo da arte” [artworld], formado por teorias artísticas e pela história da arte, cujo conhecimento se caracteriza como necessário para que possamos constituir algo como arte: “Ver alguma coisa como arte exige algo que o olho não pode perceber – uma atmosfera de teoria artística, um conhecimento da história da arte: um mundo da arte” (DANTO, 1964, p. 580). A operação retira o peso da percepção na recepção das obras de arte: ao afastar a ênfase sobre as propriedades manifestas e descontextualizadas, em favor de seu caráter cognitivo, ressalta os aspectos não-manifestos e dependentes do contexto histórico-social como decisivos para a aceitação de determinados objetos como obras de arte. A abordagem filosófica proposta por Danto, entretanto, dará origem, nos anos que se seguem, a um número de teorias que ficariam conhecidas como as “teorias institucionais da arte”. A mais célebre delas foi desenvolvida a partir de 1969 pelo filósofo norte-americano George Dickie. Em “Defining Art”, Dickie apresentava os elementos do que viria a ser a Teoria Institucional da Arte e o que acredita ser a explicitação do conteúdo da tese original de Danto. Para Dickie, o que “o olho não pode perceber” é uma complicada característica não manifesta dos artefatos em questão.Ser arte, para Danto, depende de um conjunto de razões que constitui uma dada coisa como tal. Nada pode ser arte fora dessa fundamentação: “Deve ser feita uma distinção entre ter razões para crer que algo seja uma obra de arte e algo que se constitua como uma obra de arte de modo contingente às razões para que o seja”. Um inspetor da Alfândega, no exemplo oferecido por Danto, pode realmente usar o facto de que o diretor de um museu nacional disse que uma coisa é arte para crer que ela o seja, simplesmente pela posição ocupada nas estruturas de especialização, mas, para Danto, “a sua declaração de que aquela obra é arte não é razão para que ela o seja”:“ser uma obra de arte é dependente de um conjunto de razões e nada pode ser obra de arte fora do sistema de razões que lhe deu esse estatuto” . Este sistema de razões, ou discurso de razões, é a substância do seu mundo da arte. É um sistema fundado em causas que se referem ao momento artístico-histórico em que a obra surge face às demais obras já produzidas e das teorias artísticas delas inseparáveis e é esse sistema que institui determinado objecto como arte. Assim, o mundo da arte é o “discurso de razões institucionalizado”, o sistema que articula obras e teorias artísticas, estruturado em carácter da relativa permanência e identificável por suas práticas. A estrutura de justificação proposta, e que singulariza sua teoria em relação à Teoria Institucional de George Dickie, consiste numa cadeia de regressão a crenças básicas, fundadas no campo da história e das teorias que as próprias obras veiculam. 

Conceito fundador, "The Artworld" é ainda razão de discussões volvido meio século. É notável como continua forte a metáfora do título. Danto disse que o conceito de ARTWORTLD não define um mundo de pessoas e instituições mas sim uma comunidade de ‘artworks’, envolvidos em algo, nem que seja no diálogo conjunto sobre assuntos de arte, ainda que sejam os mais díspares e nele se encontrem também, inevitavelmente, os detractores de pastrimónio, os especuladores, os ladrões de arte, os falsários, os iconoclastas e o que há de mais avesso a um mundo artístico com ética... No livro, Danto desenvolve essa tese, aduzindo à História da Arte o conceito de lógica conversacional ("implicature") e, assim sendo, «a work like Brillo Box can be said to constitute a logical next step in the ‘conversation’ of mid-twentieth century art, but only someone following along with the conversation could hear that -- and thereby see Brillo Box as art». A analogia entre esse mundo comunitário de trabalhadores de arte e o muindo social, e da política, cria um vínculo igualmente relevante.


A Spociologia da Arte e a História da Arte marxista

17 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

TEORIA DA ARTE MARXISTA: A IDEOLOGIA IMAGÉTICA.

O quadro 'O Quarto Estado', ou Il cammino dei lavoratori,  pintado em 1901 por Giuseppe Pellizza da Volpedo, pintor italiano formado na academia de Brera  e, depois, em Roma e Florença, constitui um testemunho de pintura realista de signo proletário que permite abrir algumas considerações sobre a Teoria da Arte de signo marxista e sobre a Sociologia da Arte.

A Segunda Globalização (a primeira foi a da era dos Descobrimentos)  -- abriu campo para conquistas e também para reforço da exploração -- é também nova era de esclavagismo, repressão, intolerância religiosa e cobiça desenfreada… Descobrimos mecanismos com objectivos idênticos destinados à apreensão do mundo, à multiplicação do conhecimento em rede, para afirmação de interesses pretensamente superiores, fossem militares, económicos e mercantis, ou valores religiosos. Claude-Gilbert Dubois estudou esse fenómeno, em singular cotejo com a realidade global do novo milénio, encontrando idênticos pressupostos de acção entre a realidade dos séculos XV-XVI e a do dealbar do XXI no uso e configuração de uma dimensão estética. O desabar das experiências realizadas a Leste em nome do Socialismo (onde os princípios da Revolução de Outubro, com sua aura emancipadora, descambaram na deriva totalitária do estalinismo) colocou o mundo face a desiquilíbrios ainda hoje irresolúveis. Num dos últimos ensaios de Hobsbawm, Tempos Interessantes, o historiador analisou este fenómeno e expressou reservas em relação aos modismos históricos recentes, nos contextos do cenário historiográfico exaltando o fim da História e subsequente dependência da cultura à massificação descaracterizadora. Hobsbawm nota como a busca de um vínculo permanente, de uma fertilização mútua entre História, Ciências Sociais e Antropologia Cultural (seguindo o legado de Marx e a sociologia marxista do conhecimento), não tem sido acompanhada no campo dos estudos económicos. Depois de largo tempo em que o conceito de ‘ideologia’ submergiu numa espécie de limbo de fim de História, outros conceitos operativos utilizados pela História da Arte, como ideologia imagética, polemicamente avançado por Nicos Hadjinicolaou , voltam a emergir, revistos e depurados do lastro de um ‘marxismo vulgar’, como úteis para a percepção do  chamado facto artístico.

Quanto a NICOS HADJINICOLAOU, nasceu em  1938 em Salonica, Grécia. É historiador de arte, seguidor da metodologia marxista, professor no El Greco Centre, Institute of Mediterranean Studies, Rethymnon, Creta. Estudou nas Universiidades de Berlin, Freiberg e Munich. Em 1965, em Paris, estudou com Pierre Francastel  na École pratique des hautes études, e com Lucien Goldmann (1913-1970) e Pierre Vilar (1906-2003). A sua tese, La lutte des classes en France dans la production d'images de l'année 1830, inspira em 1973 o famoso livro 'Histoire de l'art et lutte des classes'. Esta obra, Art History and Class Struggle, ...«attacked the formalist approach to art history, fostered by the 19th-century writing of Théophile Gautier (q.v.) and the philosopher Victor Cousin (1792-1867), which Hadjinicolaou characterized as still the dominant approach in the 1970s. He asserted that the production of images was an aspect of class ideology and that art history should be approached from that position. This is a direct application of György Luk�cs (1885-1971) History and Class Consciousness. He has also cited the works of Louis Althusser (1918-1990) and Frederick Antal (q.v.) as influential. His work was criticized by Françoise d'Eaubonne (1920-2005) in her 1977 feminist book, Histoire de l’art et lutte des sexes, contending that gender struggle preceded class struggle». Um ensaio de Vitor Serrão (integrado na colectânea Estudos de Pintura Maneirista e Barroca, Editorial Caminho, Lisboa, Col. Universitária, 1990) reflecte sobre questões de teorização e metodologia da disciplina da História da Arte, a partir do conceito de ideologia imagética proposto pelas teses marxistas do historiador de arte grego Nicos Hadjinicolaou (n. 1938), analisando-se a sua utilidade operativa no caso da História de Arte portuguesa e as vantagens, e também os limites, do seu uso prático.

No campo das artes, Hobsbawm nota como foram muitas vezes rejeitadas pelo público, que não as entendia, e se voltava para a revalorização das obras clássicas, ou para as ‘artes populares’, transformadas e incorporadas pela indústria cultural . A verdade é que o consumidor de vanguarda sempre se situa nas camadas mais prósperas, intelectualizadas (mas não necessariamente mais cultas ou informadas) da sociedade contemporânea, nas quais encontra símbolos indicadores de status, que deixammarca na vida das comunidades. É notório, nesta nova globalização, o que tem de contraditório e descontrolado, com o ascenso de ‘poderes apátridos’ e em que a exploração do homem pelo homem se acentua, a apreciação estética continua presente e a constituir espaço de cultura. Retomando a definição de George Lukács, a apreciação das artes continua a propor reflectir sobre «um mundo essencialmente do plano dos homens que não se confunde com o processo oficializado de ‘estetização’, próprio de uma estética da mercadoria com ênfase no discurso das formas».  A globalização, com suas contradições, derivas totalitárias e aplicações distorcidas, deflagrou um facto inequívoco: as novas possibilidades de olhar e de ver o fazer, pois o papel do singular, o regional, o micro-cultural, assumiram essa possibilidade de se projectarem num plano transnacional – o que vem ao encontro desse desejo profundo da História-Crítica da Arte de encontrar no particular o universal – como diriam Warburg e Panofsky, Deus está no pormenor... No campo específico da História e da Crítica das artes, tal formulação continua a ser válida nos dias globalizados do presente.

Também se alude ao quadro emblemático de Eugène Delacroix (1798-1863), figura-chave da pintura europeia na viragem do neo-classicismo para o Romantismo. Discípulo de Guérin, que segue de seguida Géricault e Gros, na sua busca de uma pintura mais ruptural, socialmente mais interverntiva e plasticamente atraente. Passa a participar nos Salons de Peinture em Paris, a partir de 1824, com  «Massacres de Scio» (Louvre), vai a Inglaterra em 1825, contacta com os meios artísticos (Constable, Bonington), apaixona-se por Shakespeare. De novo em Paris, convive com Merimée, Stendhal, Dumas, George Sand. Em 1831, expõe «Les Barricades» (A Liberdade guiando o povo), eco das jornadas de luta revolucionária de 1830, obra que resume de modo claro a sua abertura ao Romantismo, ligando-o muito a Gros e a Géricault, mas com um registo dramático mais largo, mais épico e transcendente. O quadro, muito estudado por Hadjinicolaou, evoca os acontecimentos de Julho de 1830 em que foi derrubado Carlos X, com a tomada do poder por uma   monarquia burguesa, com Louis-Philippe d’Orléans. Obra polémica, atacada no Salon, ‘Les barricades’ foi tida como ‘muito radical’ ou como muito ‘realista’ devido ao modo como alegorizou a Liberdade, como tratou o colorido (azul, vermelho, branco, cores da Revolução Francesa), a oposição de luz-sombra, o modelo tomado para compôr as figuras populares em luta, etc.  Victor Hugo, no ano seguinte, inspirar-se-á no quadro para começar a escrever um dos seus mais célebres romances, ‘Les Miserables’, só editado em 1862. ‘Les Barricades’ é uma espéce de ‘poster’ político. Celebra o 28 de Julho de 1830 e o derrube dos Bourbons, ou seja, um movimento onde o pintor interveio. Segundo G. C. Argan, a pintura (que inclui um auto-retrato do intor) seria a primeira obra de arte ‘engagée’ da pintura moderna. A LIBERDADE É UMA FORÇA ABSTRACTA, MAIS QUE UMA MULHER-SÍMBOLO: é esse o sentido universal desta Alegoria política.


BIBLIOGRAFIA:

Frederick Antal, Florentine Painting and its Social Background, London, 1948.

Claude-Gilbert DUBOIS, Le Bel Aujourd’hui de la Renaissance – Que reste-t-il du XVIe siècle?, Seuil, Paris, 2001.

Eric HOBSBAWM, A Era dos Extremos, Campo das Letras, 2001.

Nicos HADJINICOLAOU, Histoire de l’art et lutte des classes, Maspero, Paris, 1973.

Idem, Art History and Class Struggle. London: Pluto Press, 1978.

Idem, El Greco. Rethymnon: Crete University/New Rochelle, NY, 1990, vol. 1: Documents on his Life and Work, vol. 2. El Greco: Byzantium and Italy. 1990, vol. 3. El Greco: Works in Spain, vol. 4. El Greco: Altarpieces in Spanish Churches. Rethymnon: Crete University Press, 1999; El Greco in Italy and Italian art: Proceedings of the Iinternational Symposium, Rethymnon, Crete, September 1995. Rethymnon, University of Crete, 1999.


Teste de Teoria da Arte (1ª chamada)

15 Maio 2017, 08:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

TESTE DE TEORIA DA HISTÓRIA DA ARTE – Licenciatura em História da Arte

(1ª chamada) – 15 de Maio de 2017 – (2ª chamada, 19 de Maio)

                                                                                                                     I

Leia atentamente as sete seguintes questões e responda de modo suficiente, com estilo claro e bem organizado, com recurso a exemplos se e quando necessário, a apenas TRÊS delas:

 

  1. Defina as condições e limites inerentes ao conceito de artworld tal como foi definido pelo filósofo e crítico de arte Arthur C. Danto, à luz da sua perspectiva de trans-contextualidade. 

     

  2. A possibilidade de as obras de arte intervirem como factores de reconciliação, ou mesmo como «remédio para os males que afligem a humanidade», foi expressa pelo humanista Benito Arias Montano (1527-1598) e constitui tópico da sua doutrina estética. Comente este postulado (comum, aliás, a outros autores) à luz da sua possível utilidade na produção e crítica das artes contemporâneas.

     

  3. Quais os limites que foram, de modo geral, apontados à prática da Iconologia como processo de análise das obras de arte ? Em que medida esses ‘limites’ são exactos, ou podem ser superados ? (existirá mesmo uma Nova Iconologia ?)

     

  4. Porque ordem de razões, segundo o historiador de arte Giulio Carlo Argan, a História da Arte e a Crítica da Arte são faces da mesma moeda ? Face ao alargamento do campo de estudos (artes pós-coloniais, arte outsider, produções periféricas, feminismo, novos suportes artísticos, etc), como se atesta hoje a validade dessa aparente dicotomia ?

     

  5. Explique, recorrendo a um exemplo adequado, em que medida o conceito de Cripto-História da Arte veio alargar as possibilidades de intervenção analítica e crítica da História da Arte ?

     

  6. O contributo do marxismo no campo da Teoria da Arte encontra no conceito de ideologia imagética formulado por Nicos Hadjinicolaoui (1973) um papel significativo. Defina o conceito e o papel dessa corrente no quadro da História Crítica da Arte.

     

  7. Que «razões» profundas explicam o iconoclasma como prática comum ao longo da História e em que medida tal comportamento destrutivo pode ser visto como terreno fértil para a História da Arte ?

 

 

                                                                                                                          II 

Leia atentamente os dois seguintes textos e escolha apenas UM deles para um comentário claro, bem estruturado, suficientemente desenvolvido e com reflexão original.

 

  1. Ao caracterizar as indústrias culturais, assente numa perspectiva dialéctica sobre as lógicas de consumo da sociedade capitalista, Theodor Adorno (1903-1969) situa as obras de arte no quadro da categoria estética do inefável, ou inexprimível: «Uma visão globalizante e ontológica sobre o mundo da arte define as linhas-mestras da produção à luz do que ela traz de perene e de sublime: a impressão renovada, o debate aberto, as questões agitadas, a marca das formas tácteis, o movimento contínuo algures entre o efémero e o inesgotável»... Comente este texto da Teoria da Estética de Adorno, sem esquecer o conceito de aura de Walter Benjamin. E pergunta-se: não será o conceito de sublime, definido por esse filósofo da Escola de Frankfurt, uma justificação para a História-Crítica da Arte dos dias de hoje ?

     

  2. Como afirmou o historiador de arte e iconólogo alemão Aby Warburg (1866-1929), «a História da Arte é a investigação orientada e inter-disciplinar que visa o entendimento globalizante (estético, histórico, ideológico, contextual, trans-contextual) das obras de arte à luz da compreensão dos seus ’pontos de vista’ intrínsecos, isto é, das condições culturais, políticas, socio-económicas, ideológicas, perdurações, continuidades – ou seja, o entendimento iconológico das obras». Comente o texto, integrando-o na perspectiva que pode existir, hoje, da prática de uma História da Arte em novos moldes operativos, sem esquecer que a História da Arte será, de certa maneira também, uma arqueologia de memórias, e em ao conceito de nachleben, formulado por Warburg.