Sumários

Casos de estudo de trans-memória artística nos 'land-marks' de Lisboa.

8 Outubro 2015, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A História a Arte deve estimular o conhecimento e a reflexão crítica sobre os sentidos da arte, em termos de produção autóctone, condições de mercado, encomenda, valorização, mobilidade de obras, permuta de peças artísticas e repercussão de correntes estéticas – ou seja, num sentido globalizante.

Nesse âmbito, partimos da definição de novos conceitos operativos que se consideram basilares para a prática de uma História da Arte-ciência que seja eficaz no diálogo a empreender com as obras de arte e, também, útil e socialmente comprometida:

-- a noção de PROGRAMA ARTÍSTICO, assente num olhar inter-disciplinar com visão globalizante (histórica, estética, ideológica, contextual, etc) das obras de arte à luz da compreensão daquilo a que o iconólogo Aby Warburg, entre outros autores, já definia como os seus ‘pontos de vista intrínsecos’, isto é, as condições culturais, políticas, socio-económicas, laborais, memoriais, valorativas, ideológicas, de perduração e continuidade, etc, para o pleno entendimento iconológico das mesmas;

-- e a noção de TRANS-MEMÓRIA IMAGÉTICA, que busca (re)conhecer nas obras de arte as suas capacidades de perpetuação memorial, tornando-as um elemento fundamental de percepção das suas potencialidades globais, numa base trans-temporal sempre aberta. 

      Seja qual for a circunstância histórica de concepção, de produção ou de fruição, as imagens artísticas são sempre um testemunho estético dotado de muitos sentidos. Elas apresentam-se ao nosso olhar com significações distintas e com variados traços de comunicabilidade que se expressam tanto no plano da sua estrita conjuntura de tempo e de espaço como, sobretudo, no plano de uma dimensão trans-contextual que lhes confere novos níveis de leitura.  As obras de arte são, quase sempre, uma espécie de jogo de espelhos na sua qualidade natural de objectos vivos, dotados da capacidade de prolongarem a sua função pela fruição, de assumirem novos contextos e de se exprimirem em plenitude face a novos olhares. Aptas a gerar novos públicos na sucessão dos tempos, as obras de arte comunicam impressões, resguardam a sua complexidade originária e renovam os seus traços de encantação estética. Como afirmou o escritor Antoine de Saint-Exupéry, elas encerram tanto uma dimensão onírica quanto uma dimensão tangível, ambas essenciais para caracterizar a sua essência artística.  É precisamente a dimensão memorial das imagens artísticas com os seus contornos nunca efémeros, ou neutrais, que se impõe analisar à luz das suas razões de ser, sejam ideológicas, religiosas, políticas, ou outras. ... E, sabemo-lo pela experiência que a Iconologia, a Semiologia e a Sociologia da Arte nos oferecem, as obras de arte são mais atraentes como interlocutoras dinâmicas de diálogos interrompidos quanto melhor explicáveis na essência do acto de produção que lhes deu origem, e na consequência dos actos de contemplação que, muito tempo depois, continuaram a legitimá-las, mesmo com o peso do esquecimento colectivo sobre os significados reais que um dia lhes deram origem e modelação criadora...

     Parece ser útil, assim, para uma maior riqueza metodológica na prática da História da Arte, recorrer à utilização de um novo conceito: o conceito de trans-memória aplicado ao estudo integral das imagens artísticas. Tal dimensão teórica tem em vista o entendimento de que a obra de arte, mais que um testemunho trans-contextual (como diria Arthur Danto, ou U. Eco  com o conceito de ‘obra em aberto’) apto a formar novos públicos cada vez que é alvo de um novo acto de fruição, é também um laboratório de memórias acumuladas que sobrevivem e perduram, seja nas franjas do subconsciente, seja na prática da criação e da re-criação dos artistas. exemplifica-se recorrendo a monumentos públicos da cidade de Lisboa: Monumento aos Restauradores, ao Duque de Saldanha, a Neptuno (Estefânea), a Fernão de Magalhães (Chile), às Guerras Peninsulares, ao 25 de Abril, etc.


Definição de 'arte' e questões correlativas de abordagem metodológica.

6 Outubro 2015, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

A FONTE DA VIDA, obra que fez repercutir o nome de Marcel Duchamp por todo o mundo, especialmente depois de sua morte, está baseada no conceito de ready made: pensada inicialmente por si mas concorrendo a concurso com nome falso, para esconder o seu nome, pois enviou a obra com a assinatura "R. Mutt", que se lê ao lado da peça) para figurar entre as obras a serem julgadas para um concurso de arte promovido nos Estados Unidos, a escultura foi rejeitada pelo júri uma vez que, na avaliação deste, não havia nela nenhum sinal de labor artístico. Com efeito, trata-se de um urinol comum, branco e esmaltado, comprado numa loja de construção e assim mesmo enviado ao júri; entretanto, a despeito do gesto iconoclasta de Marcel Duchamp, há quem veja nas formas do urinol uma grande semelhança com as formas femininas, de modo que se pode ensaiar uma explicação psicanalítica, quando se tem em mente o membro masculino lançando urina sobre a forma feminina. Entre as inovações, contradições e pontos em discussão sobre 'arte' e 'readymade', contam-se a presumida falta de sentido estético, o processo de escolha do objecto, o peso do trabalho psicológico do observador em detrimento do trabalho do artista, a pluralidade de autores (o artista, o construtor e o observador), e o valor da assinatura, intitulação e datação, bem como a crítica ao sistema economicista da arte e à valorização das obras de arte em função do seu autor. Assim, segundo Berys Gaut, autor dado na aula, uma obra de arte tem de sê-lo por diversas razões: 1.ter boas propriedades estéticas respeitantes ao prazer sensorial, como beleza, graciosidade ou elegância;2.expressar emoções; 3.constituir um desafio intelectual; 4.ser formalmente complexos e coerentes; 5.capacidade de impor significados complexos;6.exibir um ponto de vista individual; 7.ser um exercício de imaginação criativa e original;8.ser um artefacto ou performance que reflicta uma elevada perícia; 9.pertencer a uma forma artística estabelecida (música, pintura, cinema, outros); e 10. ser o produto de uma intenção de fazer uma obra artística. Notas sobre o papel de arthur C. danto na definição da 'arte' e na defesa dos conceitos de trans-contextualidade e valpor ontológico dos 'factos artísticos'.



Como «ler» uma obra de arte: as 'fortunas' histórica, crítica e estética.

1 Outubro 2015, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Nesta aula, partimos da definição de dois conceitos operativos que, a nosso ver, devem ser considerados basilares para a prática de uma História da Arte-ciência não só eficaz no diálogo a empreender com as obras de arte como, também, útil e socialmente comprometida:

- a noção de PROGRAMA ARTÍSTICO, assente num olhar inter-disciplinar com visão globalizante (histórica, estética, ideológica, antropológica, contextual, etc) das obras de arte à luz da compreensão daquilo a que Aby Warburg, entre outros, já definia como os seus ‘pontos de vista intrínsecos’, isto é, das condições culturais, políticas, socio-económicas, laborais, memoriais, ideológicas, de perduração e de continuidade, etc, etc, para um pleno entendimento iconológico das mesmas;

- e a noção de TRANS-MEMÓRIA IMAGÉTICA, conceito por nós proposto em data recente, que busca (re)conhecer em todas as obras de arte as suas capacidades mais ou menos fortes de perpetuação memorial, tornando-as um elemento fundamental de percepção das suas potencialidades globais, numa base trans-temporal e trans-contextual, sempre aberta e, por isso, de inesgotável fascínio para os seus fruidores e para os historiadores de arte.

Nesse sentido, vamos 'ler' uma obra de arte do Renascimento português: o quadro CRISTO EM CASA DE MARTA E MARIA, pintado por Vasco Fernandes, o Grão Vasco, e a sua oficina, cerca de 1530, para a Capela do Bispo D. Miguel da Silva no Paço de Fontelo em Viseu, e hoje exposto no Museu Grão Vasco. Analisam-se pormenores como o retrato do encomendante, o Bispo D. Miguel da Silva, e como o auto-retrato do pintor, e os aspectos que determinam a 'fortuna crítica' da obra e o seu 'ponto de vista' intrínseco em torna da parangola vida activa-vida contemplativa, própria de uma cultura humanística e neo-platónica em Viseu no tempo de D. João III. A leitura integrada da obra, seguindo um esquema iconológico (não esquecendo o método de Omar Calabrese) adequa-.se ao 'estudo de caso' proposto e discutido na aula. 


Aula de Acompanhamento Tutorial.

29 Setembro 2015, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

Dado que decorreu no mesmo dia e hora a prova de Doutoramento com a defesa da tese doutoral de Maria Inês Cerol, de cujo júri o docente fez parte, não houve aula normal teórico-prática. Os alunos assistiram e seguiu-se orientação tutorial de trabalhos práticos


Iconoclastia: o paradoxo entre o poder das obras de arte e a sua fragilidade; tipos de destruição das obras de arte e suas razões ao longo do tempo histórico.

24 Setembro 2015, 10:00 Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão

O estudo das obras de arte torna-se mais difícil quando verificamos que as peças sofreram adições substanciais no decurso da sua existência, ao serem alteradas por restauros e acrescentos, ou seja, ‘desmemorizadas’ por falta de registo, e ‘desidiologizadas’ por alteração de funções, integradas (por exemplo) em novos espaços e em outros contextos artísticos onde o sentido primeiro que presidiu à sua factura foi sujeito a alterações que levaram à perda inexorável desse mesmo sentido. É esse o caso de tantos conjuntos artísticos portugueses que sofrem o estado dominante de uma cultura pensante que continua a arvorar, a par da ignorância, a desonestidade, a ignorância e o preconceito redutor ao olhar para a própria realidade identitária…

     As manifestações de Iconoclastia e de Iconofilia digladiam-se entre si ao longo da História dos homens – aliás, elas misturam-se também, num sistema de contrôlo do papel das imagens como instrumento eficaz de propaganda (seja ela qual for). A consciência de que as imagens reunem em si um poder imenso leva a medidas de contrôle do seu uso e na redobrada vigilância do modo como agiam (e agem) os artistas e os detentores de obras de arte (não só «imagens sagradas»), ao mesmo tempo que o iconoclasma se acentua em nome do combate ao outro (o paganismo, a idolatria), contra manifestações culturais autóctones (caso da destruição sistemática dos templos hindus na antiga Índia portuguesa no século XVI e, recentemente, dos templos sírios pelo Estado Islâmico, ou dos Budas do Afeganistão pelos talibans)…

     O estudo das obras de arte torna-se mais difícil quando verificamos que as peças sofreram adições substanciais no decurso da sua existência, ao serem alteradas por restauros e acrescentos, ou seja, ‘desmemorizadas’ por falta de registo, e ‘desidiologizadas’ por alteração de funções, integradas (por exemplo) em novos espaços e em outros contextos artísticos onde o sentido primeiro que presidiu à sua factura foi sujeito a alterações que levaram à perda inexorável desse mesmo sentido. É esse o caso de tantos conjuntos artísticos portugueses que sofrem o estado dominante de uma cultura pensante que continua a arvorar, a par da ignorância, a desonestidade, a ignorância e o preconceito redutor ao olhar para a própria realidade identitária… Por isso as obras de arte sofrem – alteradas, mudadas de sítio, mal conservadas, desrespeitadas, desmemorizadas, vistas sem ternura ou o mínimo elementar de atenção. Ao defender-se um nível ou instância superior do nosso trabalho de historiadores de arte e de técnicos de conservação e restauro – a Fortuna Crítica, etapa maior de uma História da Arte consequente – é imperioso não esquecermos que é ao nível da crítica heurística, em que o ‘estado da questão’ particular se inicia, e das capacidades de saber ver em globalidade e sem preconceito, que se centram todas as virtudes da metodologia proposta pela nossa disciplina.

     Existiu sempre da parte dos homens – e continua a existir – uma deriva iconoclástica  que se manifesta, em relação à imagem que adora, por que nutre encanto, respeito, desconforto, ou medo – de diferentes modos: Um iconoclasma inconsciente e auto-flagelador, um iconoclasma destruidor do «outro», um iconoclasma correctivo por razões morais, um iconoclasma correctivo por razões políticas, ou por razões estéticas, um iconoclasma de intuito propiciatório, um iconoclasma de esconjuração do medo, um iconoclasma de apagamento da memória do «outro», um iconoclasma de exegese, um iconoclasma de afirmação de «cultura superior», um iconoclasma de afirmação utópica. Destruír para conservar valores, para afirmar estratégias,para impôr critérios «supremos», para atestar o primado de uma iconofilia «superior» -- foi sempre assim... Quanto trabalho existe para os Historiadores de Arte que desejem estudar os porquês destas estratégias de comportamento destruidor, os mecanismos de gosto e de primado estético que prevalecem, época a época !

BIBL.: Cf., entre outros estudos sobre as razões de perda e de destruição, Alain BESANÇON, L’image interdite. Une histoire intellectuelle de l’iconoclasme, Arthème Fayard, Paris, 1994; David FREEDBERG, The Power of Images, The University of Chicago Press, 1989 (trad. espanhola: El Poder de las Imágenes. Estudios sobre la historia y la teoría de la respuesta, ed. Cátedra, Madrid); e Cécile DUPREUX, Peter JEZLER e Jean WIRTH (coordenação), Iconoclasme. Vie et mort de l’image mediévale, Musée d’Histoire de Berne e Musée de l’Oeuvre Notre-Dame de Strasbourg, 2001BIBL.: