Sumários

Do teatro ao cinema de animação

25 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                      6ª FEIRA                                          12ª Aula

 

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A chegada de um novo aluno levou-nos a reiniciar o visionamento do DVD dedicado à obra cénica de Lothar Schreyer, pintor, dramaturgo e professor no atelier de teatro e director do palco da Bauhaus entre 1920 e 1923.

Tal como aconteceu aos seus estudantes e actores das peças que produziu, ao manifestarem-se contra o Mestre face às propostas cénicas demasiado experimentais e que contrariavam a expectativa natural dos actores de se verem em corpo e rosto em cena, também o público selecto desta peça terá sentido desconforto perante uma representação baseada quase exclusivamente entre texto e música (percussão), num estatismo interrompido por movimento inesperado como suporte a uma linguagem desligada dos seus sentidos convencionalmente aceites e reconhecidos.

Ênfase, volume e intensidade do poder da voz do actor (a actriz nunca fala) cria em nós a impressão de que momentos e situações mencionados reduzem a linguagem a um mero «discurso sonoro» (Schreyer) que o dramaturgo acreditava poder constituir um espaço de liberdade poética semelhante àquele que caracterizava certas culturas arcaicas (lembro o poema Angolaïna de August Stramm lido na aula).

O exercício de treinamento do texto a ser dito adquire assim um valor quase iniciático a partir da fragmentação das sílabas de cada palavra ou curtas frases, transformando-se num cântico por vezes inapreensível. A versão que acompanhámos estava legendada em inglês que aqui ou acolá dava a ver o registo onomatopaico (aquele que interessava ao autor) embora nem sempre essa transcrição fosse possível. O esforço de captarmos em simultâneo o sentido de palavras que para nós mantinham ou perdiam pontualmente o seu significado ou significados comuns para sublinharem apenas uma ideia de sonoridade é desde já gigantesco. Acrescente-se o facto de que este exercício leva tempo a ser realizado pelo nosso cérebro. E finalmente a capacidade de associarmos as imagens visuais e coloridas ao processo em cena, considerando apesar disso a lentidão das sequências cénicas, não ajudava a que pudéssemos usufruir de momentos de verdadeiro repouso para apreendermos a peça nas suas diversas valências.

As figuras-máscara movendo-se em cena numa black-box, sob o efeito controlado da luz e da cor, era nessa condição que se transformavam também em cenário.

A alienação da linguagem e das figuras constrói distância e dissociação entre o palco e a audiência.

Aquilo que em consciência pudemos fazer, mais do que aderir emocionalmente ao espectáculo, foi apoderarmo-nos do objecto artístico em jeito descontinuado.

A peça Homem que procurava centrar-se numa humanidade incompreendida e sofrida, ao estilo de um Expressionismo patético e religioso (uma vertente inspiradora da primeira fase da Bauhaus, nomeadamente sob a égide de Johannes Itten) acabou por se revelar um instrumento que no seu desconforto propiciou uma reflexão desapaixonada.

Não é de estranhar que este tipo de produções para palco e que nele tiveram lugar se aproximem na sua interdisciplinaridade de uma outra área artística que não integrava os programas da Bauhaus mas que dele era nascente: o cinema de animação. Construção de figurinos e de objectos, dança, música, projecção de luz, arquitectura de cena intermediavam uma nova forma de arte.

 

DVD em parte revisionado

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Lothar Schreyer, Edition Bauhaus, 50 min. língua alemã e língua inglesa, 2014.


O concreto da arte abstracta

23 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                      4ª FEIRA                                          11ª Aula

 

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Considerámos a realização de um pequeno exercício colectivo com apresentação oral individual a partir da observação de conchas e búzios trazidos por mim para a aula. A tarefa pareceu surgir com alguma estranheza e a sua concretização foi esforçada. No entanto, o objectivo deste jogo pretendia, por um lado, pôr os alunos em contacto com objectos naturais, casas de seres vivos que já se lá não encontravam mas que continuavam a ter vida entre os dedos dos seus observadores. E essa vida resultava da percepção de formas e de desenhos, de cores e de texturas abstractos específicos de cada concha ou búzio. Assim poderíamos defender que a forma abstracta está na Natureza desde sempre e continuará a estar. Aquilo que atribuímos como condição específica da arte não figurativa – a liberdade plena de organizar formas, cores, movimento, repouso, conteúdos, materiais -, de um modo irrepetível e que podemos não reconhecer à primeira vista, recebe como inspiração o mesmo lastro (a Natureza) que a todos nos serve de modelo para a realização de obra artística independentemente dos seus princípios estéticos e correntes.

O exercício destacou, por outro lado, que cada aluno ou aluna, ao fazerem a sua apresentação do objecto que não haviam escolhido mas que lhes calhara casualmente (retirado de um saco apenas por contacto), se lhes manifestava conhecido. E este conhecimento derivava do facto de conchas e búzios, também pequenas pedras, fazerem parte da experiência visual e táctil de cada um. Mas a este contexto quase todos associaram uma expressão comum: Faz-me lembrar… A recorrência a esta frase introdutória era sinal de muita coisa que em cada um despertava como memória de materialidade que cada objecto passava a conter no acto de apropriação e manuseamento. Quase sempre as referências eram concretas e derivavam dos gostos e interesses individuais. A ideia de arte abstracta que quiséramos ensaiar com o nosso acto lúdico nascia da Natureza concreta e que em nós fez florescer o sentido de liberdade interpretativa.

 

Quisemos a seguir testar a nossa capacidade abstraccionista-concretista dando início ao visionamento de obra cénica de um outro artista da Bauhaus – Lothar Schreyer. Este dedicou-se à experimentação da visualidade do corpo como máscara total, o que determinou para o espectador da época um completo distanciamento das figuras em cena. Por isto, Lothar Schreyer, o primeiro director do palco da Bauhaus (1919-1921) foi condenado a um certo ostracismo que se projectou ainda na sua tentativa de entender e organizar a linguagem como uma categoria musical.

A peça que estamos a visionar é um bom exemplo. Intitulada Homem (Mann, 1920), esta obra cénica associa a linguagem, constituída por palavras soltas com intencionalidade poemática, aos outros elementos em cena como se se tratasse de uma notação musical. Este processo acontece como se fosse uma sequência onomatopaica, sob a forma de um recitativo. O som da fala exige dos actores em cena um processo de treinamento em busca da «sonoridade interior» de cada um. A dificuldade de realizar esta exigência pedida pelo encenador, que se inspirava em Kandinsky, levou a que muitos dos estudantes da Bauhaus que trabalhavam no atelier de teatro e nas representações pedidas pelos Mestres fizessem saber a Schreyer que não iriam prosseguir nos ensaios. Tal não chegou a acontecer em termos definitivos, mas é compreensível que os jovens estudantes não desejassem ser meros objectos em cena a quem era retirada a capacidade de se movimentarem livremente. Defendiam os mesmos que não queriam representar na qualidade de seres desindividualizados.

A dificuldade em fazer passar junto dos seus discípulos a ideia de que o espaço cénico correspondia ao espaço do cosmos, de certo modo um princípio também herdado de Kandinsky, levou Lothar Schreyer a abandonar a Bauhaus em 1923.

 

 

 

DVD em visionamento

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Lothar Schreyer, Edition Bauhaus, 50 min. língua alemã e língua inglesa, 2014.


Síntese das Artes - Kandinsky: teoria e prática

18 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

OUTUBRO                                      6ª FEIRA                                          10ª Aula

 

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Na esperança de termos suficiente material para discussão sobre esta matéria, pedi aos alunos que registassem em casa, por escrito e em cinco linhas o que entendessem poder expressar o seu acompanhamento de Quadros de uma Exposição de Kandinsky inspirado em anteriores criações (pintura exposta e música).

Houve algumas tímidas respostas, bem-vindas, claro, que nos levaram a equacionar a possibilidade de registo escrito das mesmas e a serem enviadas por e-mail para mim. Chegaram contributos que irei analisar e comentar criando assim substância para que possamos reflectir sobre o que afinal fez Kandinsky (prática artística cénica) e de como se aplicou a sua proposta teórica Sobre a síntese abstracta para palco (1923) à mesma obra.

Optámos então por rever em DVD, alguns dos quadros da Composição para Palco com o firme propósito de atribuirmos sentido a formas geométricas que apareciam e se movimentavam à nossa frente, com cor ou em registo de preto e branco e através das quais se construía cada composição específica. Chamámos a atenção para a importância do desenho de luz, através do qual se operavam modificações em fases anteriores do processo. Este, porém, dependia sempre do ritmo, altura, velocidade e «colorido interior» proporcionado pela partitura de Mussorgsky. E foi perante esta realidade que verificámos, por exemplo, no quadro musical 15 – A cabana de Baba Yaga – que a proposta plástica de Kandinsky cria um dispositivo de formas e de luz que caminha em termos de movimento e ritmo de acordo com a inspiração de Mussorgsky. O contraste esperado entre a independência da música e a expressão da forma plástica de que viria a decorrer a síntese das artes não acontece. Nunca saberemos por que razão Kandinsky se deixou possuir pela música do seu conterrâneo e criou um modo sintónico entre ela e a imagem de um relâmpago (no excerto abaixo). A audição musical precisou de uma referência recuperada do mundo natural afecta à experiência de vida de Kandinsky. Neste exemplo, o concreto mediou o abstracto auditivo e visual dentro do mesmo tom e impulsividade. A síntese das artes não conheceu desta vez o caminho proposto em teoria.

 

«O prospecto consta de três partes: meio – branco, as laterais a preto, nas quais estão recortados buracos (cf. desenho!), através dos quais são iluminados por

lanternas de bolso (como nos Quadros 8 e 9).Escuro total no início, estando a parte central branca oculta por um écran preto invisível. Afigura que aí vai aparecer (IV) já está no lugar masescondida.

 Ao compasso 9º (p. 24; P. 3) a iluminação processa-se como se fosse um relâmpago por detrás das duas partes laterais. Ao compasso 3º (P. 4) acontece a mesma coisa, mas 2 vezes.

Em mf (P. 4) os buracos compridos do lado direito são iluminados de baixo

para cima e detrás, etc. Outras indicações ver a partitura para piano! (Também seria possível iluminar os buracos com cores – como indicado no desenho – o

que poderia ser feito com diversas lanternas de bolso coloridas, se os meios técnicos o permitirem). A parte central só se torna visível com o

andante mosso

 (p. 27; P. 1) Tudo termina com ppp

 (p. 28; P. 4).Para detalhes ver a partitura para piano.

Para as mudanças de cena do Quadro 16 dispomos de 4 minutos, o que é suficiente.» (Kandinsky, 2018: 499)

 

O guião kandinskiano de Quadros de uma exposição fornece preciosa informação para melhor compreendermos o processo de nascimento em palco desta obra e ao mesmo tempo nos situarmos historica e tecnicamente no horizonte de meios artísticos então disponíveis. Quem hoje recorreria a lanternas de bolso para a criação de desenhos de luz que foram essenciais na época de apresentação pública desta obra cénica?

Alguns dos alunos e colaboradores de Kandinsky para esta produção, como Félix Klee (filho do pintor Paul Klee), deitavam as mãos à cabeça de cada vez que era preciso repetir procedimentos de iluminação. A Bauhaus também foi isto.

 

Leituras recomendadas

 

KANDINSKY 1994. Complete Writings on Art, edited by Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo, Paris, New York: Da Capo Press

 

http://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/issue/view/1638/365

https://www.dw.com/en/kandinsky-and-mussorgsky-what-happens-when-artists-inspire-each-other/a-19087823

DVD visionado

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Wassily Kandinsky, Edition Bauhaus, 36 min. língua alemã e língua inglesa, 2014.


Bauhaus em Dessau - artes cénicas - Wassily Kandinsky

16 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

OUTUBRO                                      4ª FEIRA                                          9ª Aula

 

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Interessou-nos o visionamento do último trabalho cénico de Kandinsky – Quadros de uma Exposição – realizado pelo artista, em 1928, no âmbito da sua leccionação na Bauhaus de Dessau. A encomenda agradou a Kandinsky como possibilidade de criar um «ballet em grande escala com efeitos multimédia» (Kandinsky, 1994: 749) Na verdade, este objectivo nunca foi alcançado e o pintor russo apenas conseguiu pôr em palco a obra musical de Mussorgsky, com título homónimo, no Friedrich Theater de Dessau, estreada a 4 de Abril desse ano. A pedido do director desse teatro, Georg von Hartmann, Kandinsky desenhou o cenário e os figurinos para esta Composição para Palco em dezasseis quadros, que também dirigiu, transformando assim as dez telas originais, pintadas por Victor Hartmann (1834-1873) e que haviam inspirado Mussorgsky para a obra musical mencionada, composta ainda no séc. XIX.

A transitividade artística impera neste caso, na medida em que, a pintura dá expressão à música que por sua vez propicia arte cénica.

A fundamentação teórica para esta pequena obra de arte, que à época causou muita perplexidade nos espectadores, tomava como ponto de partida o ensaio Sobre a síntese abstracta para palco (1923), disponibilizado em pdf, e que defendia:

1. As formas existem por si;

2. As cores sobre as formas também criam autonomia;

3. A estas junta-se a cor da luz como aprofundamento da pintura;

4. O seu jogo próprio produz o elemento da luz colorida;

5. A construção associada à música em cada quadro dá origem a uma integração de todas as formas artísticas no seu conjunto com vista a produzir uma síntese das artes.

Esta hipótese também poderia ocorrer como desconstrução.

No caso desta Composição para Palco, Kandinsky procura oferecer à música de Mussorgsky um contraponto pleno de elementos visuais.

Teoricamente não se trataria de um exercício de reprodução nem de sublinhado musical. A ideia seria confrontar os espectadores com uma «sonoridade abstracta» que pudesse distinguir ao mesmo tempo o fraseado musical e a sua correspondente pictórica.

É de considerar que o efeito causado por Quadros de uma Exposição na reconstrução a que assistimos poderá não conduzir a uma relação sintéctica como Kandinsky desejara. Este exercício de observação e atenção acústica atentas talvez determine um outro resultado.

 

Leitura recomendada

 

KANDINSKY 1994. Complete Writings on Art, edited by Kenneth C. Lindsay and Peter Vergo, Paris, New York: Da Capo Press

 

http://periodicos.unb.br/index.php/dramaturgias/issue/view/1638/365

https://www.dw.com/en/kandinsky-and-mussorgsky-what-happens-when-artists-inspire-each-other/a-19087823

DVD visionado

Bühne und Tanz | Stage and Dance – Wassily Kandinsky, Edition Bauhaus, 36 min. língua alemã e inglesa, 2014.


Será que existe a questão da forma em Kandinsky?

11 Outubro 2019, 18:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Iniciámos a aula com o propósito de nos ocuparmos do ensaio de Wassily Kandinsky Sobre a questão da forma (1912), pela primeira vez publicado no Almanaque O Cavaleiro Azul. Já nos debruçáramos sobre esta publicação para apreciarmos exemplos de pintura, aguarela, gravura, desenho, partituras musicais, estatuária, ensaio, uma composição para palco de Kandinsky, poesia. Um Picasso ao lado de um Rousseau, mais adiante pintura infantil, Van Gogh, Gauguin e Matisse, tudo o que pudesse ser representativo de diversas épocas artísticas, de diversificadas correntes artísticas e estéticas agradava aos dois amigos, Franz Marc e Wassily Kandinsky, que consideravam incluir nesta publicação desde a arte egípcia, à arte oriental, à expressão modernista das vanguardas, entre outras, como se não houvesse barreiras entre elas, e se calhar não havia, e partindo do princípio de que o gesto artístico na sua diferenciação é o que produz a singularidade da obra em si mas também pode estabelecer correspondência com outras obras de forma infinita segundo o espírito de um almanaque que traça pontes entre várias áreas do conhecimento tal como era o objectivo desta obra publicada, associada a várias exposições em Munique e em Berlim.

Os elevados custos de O Cavaleiro Azul em grande formato e a cores, assim como o prejuízo editorial puseram termo ao juvenil empolgamento de Marc e Kandinsky virem a publicar um segundo exemplar do Almanaque. Um terceiro factor de impedimento adveio com o início da Primeira Guerra Mundial.

 

Anteriormente tinhamos optado por passar da leitura de carácter mais teórico, com que se inicia o ensaio, à exemplificação kandinskiana sobre a letra, o travessão e o fósforo queimado. Através destes exemplos seriamos conduzidos de forma mais acessível à linguagem simbólica do pintor russo e aos objectivos através dos quais pretendia defender que «em princípio a questão da forma não existe». A sua noção de que o conteúdo de uma obra de arte se torna presente independentemente dos seus meios de expressão, e o facto de o criador afirmar que a forma, que é correcta do ponto de vista externo, pode estar errada do ponto de vista interno, isto é, a sua motivação pode não corresponder à «necessidade interior» que move o artista. É ainda de referir que a unidade interior que supostamente deriva da dissemelhança externa entre os elementos constituintes de uma obra de arte, em particular, de uma obra de arte «monumental», ou se nos aproximarmos do conceito de «obra de arte total», muito caro a Richard Wagner, da articulação entre os vários elementos que constituem uma ópera sem que haja a supremacia da música sobre o drama cantado ou outras componentes do espectáculo.  Estas premissas para além de se reverem em alguns dos códigos românticos das poéticas e estéticas do séc. XIX alemão (Friedrich Schlegel, Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling ou Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, conhecido como Novalis) ambicionam refundar um percurso que desde os Gregos Antigos mantinha ligação entre disciplinas artísticas (poesia, retórica, filosofia, teatro, música) e disciplinas científicas (matemática, física, astronomia) nascidas de um tronco comum como origem do conhecimento.

É neste contexto que se posiciona Kandinsky, neste seu ensaio, quando é favorável à simultaneidade e alternância da forma que figura e da forma que abstraíza. Ambas adquirem equivalência ainda que com distintos propósitos. E é por isso que Kandinsky defende a seguinte equação em ambas as direcções. (Kandinsky: 1998: 24)

Realismo = abstracção

Abstracção = realismo

À primeira vista esta proposta parece absurda e foi sobre ela que os alunos se interrogaram. Na verdade, a arte figurativa mantém perante nós uma relação de equilíbrio entre exterior e interior que somos capazes de identificar através dos mecanismos de funcionamento da empatia. A arte abstracta abre caminho para ultrapassar o circunstancial, a pequena ou a grande história da imagem, e também para recriar aquilo que constitui a sua exterioridade. Deste modo a arte abstracta torna-se mais exigente perante o observador suscitando a sua directa participação na formulação de sentido /de sentidos que a obra apresenta através de novas linguagens, novos posicionamentos que suscitam um «olhar inabitual».

Quando nos referimos ao exemplo da letra foi isso que procurámos desenvolver. Um lugar cativo da letra r na palavra “árvore” pode por deslocamento criar diferentes hipóteses de posicionamento. Os elementos alteram-se entre si e novas possibilidades surgem no horizonte da observação, recriação e activa relação com a obra de arte.

A imagem que observámos de Henry Rousseau Retrato de Mulher (Almanaque) e a que comentámos também durante a visita ao site respectivo da Internet, Retrato da Senhora M são representativas da corrente estética do Realismo e não é por isso que Kandinsky as põe de lado. A representação dos objectos em si mesmos (os retratos de mulheres) adquire um carácter tão absoluto quanto aquele que integra a pintura abstracta. Em ambos os casos se verifica na oposição que os caracteriza a verdadeira existência das suas características e qualidades. Em ambos os casos a «necessidade interior» ajusta no caso de Rousseau a maior ausência possível de elementos abstractos e no caso de Kandinsky a maior ausência possível de elementos realistas.

O Cavaleiro Azul comprova largamente esta perspectiva.

 

 

Leituras recomendadas

DROSTE, Magdalena 2019. Bauhaus – A hundred years of Bauhaus, updated edition, Berlin: Bauhaus Archiv, pp. 130-149 e pp. 298-303.

JUSTO, José, Kandinsky e o Espírito. Três deambulações a propósito de «Fósforo Queimado, in: Anabela Mendes, 2003, Noite e o Som Amarelo de Wassily Kandinsky, programa-livro do espectáculo, Lisboa: CCB, p. 71.

KANDINSKY, Wassily 1998, Sobre a Questão da Forma, Da Compreensão da Arte, A Pintura como Arte Pura, Conferência de Colónia in: Gramática da Criação, Lisboa: Edições 70. Apenas o primeiro ensaio é fundamental. Os restantes serão escolha de leitura dos alunos.