Sumários

A linha anti-naturalista da Antropologia:

28 Abril 2020, 10:00 Adriana Veríssimo Serrão

28 de Abril (aula não presencial, sem contacto com os alunos, leccionada via Zoom)

 

Aula: A linha anti-naturalista da Antropologia: o Homem não pode ser reduzido às capacidades naturais, nem pode ser compreendido como “ser natural”, mas sim como “ser cultural”.

 

a. a descrição da origem da espécie humana no mito de Prometeu: como um ser deficiente, desprovido de capacidades naturais, mas provido de dons “roubados aos deuses” (conhecimentos e técnicas). (ver aula anterior).

 

b. Herder: Ensaio sobre a origem da linguagem: o homem, naturalmente não-natural: ser pobre de instintos e sem ambiente natural determinado (diferentemente dos animais). Entre lacuna e compensação. A cultura como compensação activa e criativa de uma deficiência. O homem, ser de linguagem. A formação da linguagem como processo que se dá na interioridade. Não “grito das impressões” (Rousseau), mas a palavra como expressão de sentido. A cultura como ampliação da esfera de vida. A diversidade das culturas, formas dinâmicas de adaptação ao meio.

(ver: textos de Herder já estudados e o meu

– “O adeus à essência. Natureza, cultura e carácter na antropologia filosófica da época mo­­derna", Philosophica, 15 (2000), 135‑149.

Utilize este identificador para referenciar este registo: http://hdl.handle.net/10451/11819

  

(Embora previsto, não foi dado o ponto relativo a Ernst Cassirer).

 

Próxima aula: Georg Simmel, Der Fremde, “O Estrangeiro” ou “O estranho”?

 

 

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ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA / ANTROPOLOGIA E CULTURA

Docente: Adriana Veríssimo Serrão

5 de Maio de 2020

 

Esta prova incide sobre a matéria leccionada e será realizada com consulta dos textos obrigatórios.

Deverá localizar todas as referências textuais e bibliográficas.

Serão desclassificadas as respostas que não incidam directamente nas questões.

As respostas serão avaliadas em função: a) do nível de conhecimento da matéria; b) da adequação às questões formuladas; c) da com­preen­são e rigor da exposição; d) da clareza e correcção da expressão escrita; e) da maturidade de pensamento e espírito crítico.

 

INDICAR NOME COMPLETO, NÚMERO E CURSO

 

Enviar até 18horas de 5 Maio (limite último)

 

I. Escolha um dos seguintes temas:

 

A. A partir da análise do romance A Peste, de Albert Camus.

1. Mostre motivos de interesse deste livro para a compreensão da Antropologia e seus problemas.

2. Analise uma personagem e caracterize o modo como ela identifica uma atitude humana fundamental perante a Epidemia.

 

B. A partir da análise do filme Baraka, de Ron Fricke.

1. Analise um tópico relevante, estabelecendo uma comparação entre duas culturas diferentes.

2. Interprete o ponto de vista (o olhar) do realizador/observador e caracterize o modo como esse olhar pode, ou não, contribuir para o conhecimento da diversidade humana.

 

II. Neste ponto, solicita-se que estabeleça uma comparação entre distintas interpretações da questão “Todos iguais, todos diferentes”.

Deverá partir dos textos de Herder sobre “a unidade do género humano e a diversidade das culturas” e comparar esta perspectiva com outra posição estudada em aula (Todorov, Simmel, Cassirer) ou com outra à sua escolha (devidamente identificada).

 

 


- Nós e os outros: reconhecimento ou estranheza.

23 Abril 2020, 10:00 Adriana Veríssimo Serrão

 

23 de Abril aula não presencial, sem contacto com os alunos, leccionada via Zoom)

 

 

- Nós e os outros: reconhecimento ou estranheza.

 

Alguns tópicos extraídos de Todorov

Tzvetan Todorov, Nous et les autres. La réflexion française sur la diversité humaine. / Nós e os outros. A reflexão francesa sobre a diversidade humana, 1989.

Aqui vai o link com o livro do Todorov: Human Diversity. 

https://we.tl/t-EQKZMN1DGy

 

 

- O Universal e o relativo. (1)

- Há um etnocentrismo espontâneo, mas que pode ser moderado pelo conhecimento de outras formas de viver e pensar. E um etnocentrismo dogmático: consiste em erigir os valores da sociedade/ cultura em que nos encontramos como valores universais. Generaliza um particular.

- Outro é o relativismo cultural: todas as culturas se equivalem (modo neutral e tolerante). Mas não cairá a tolerância em indiferença? Limite para a tolerância é a intolerância (Voltaire).

Ou : a legitimidade de uma certa hierarquia das culturas. Legitimidade do juízo de valor, de juízos críticos.

Conciliar o diálogo intercultural com valores transculturais. Na base de “valores” universais - direitos humanos - que estariam acima das culturas.

Ex. pena de morte, escravatura, trabalho infantil, exploração do homem pelo homem….

 

-Raças. Emergência e evolução da noção de raças humanas (2).

O início : Simples diferenças morfológicas entre grupos humanos : geografia e clima (como defendem Kant e Herder : um único género humano)

Final do século XVIII e século XIX : a constituição de uma ideologia racialista cientista : diferenças reais, de essência. Meiners, Gobineau et Renan.

A ciência pretendeu suplantar a ética (o humanismo) : justificação do genocídio (ideologia nazista e muitas outras…) e mesmo do melhoramento das « raças ».

.

- As nações como entidades dotadas de identidade própria (3)

Diferença entre o patriotismo legítimo e o nacionalismo orgulhoso da superioridade nacional.

O nacionalismo / identidades nacionais (Tocqueville, Michelet, Renan, Barrès et Péguy) (na base das guerras na Europa (1.ª Guerra), e na justificação do imperialismo e do colonialismo, da expansão territorial,  conquista e dominação de povos em outros continentes).

 

- O exótico (4). Elogio do Outro e preferência pelo Outro

p. ex. Rousseau : o bom selvagem, as ilhas do Pacífico. Estado de natureza como Idade de Ouro. O primitivismo contrário à decadência da História.

Culturas mais próximas da natureza. Exotismo do turismo, os modernos viajantes. A idealização / estereótipos de lugares e monumentos. Insensibilidade aos nativos e à sua existência comum.

Literatura de viagens e a fotografia.

Mas : o turista vai, mas volta a casa.

 

-A moderação : um humanismo bem temperado (5)

 

Posição de Todorov

 

Moral e política devem sobrepor-se às ciências naturais e sociais.

A possibilidade "de reconhecer as diferenças entre grupos humanos sem abrir mão do quadro universal; a ideia de que, indivíduo e sociedade, sendo entidades fundamentalmente heterogéneas, apenas soluções mistas ou moderadas podem adequar-se-lhes de maneira duradoura".

E, portanto, a necessidade de garantir simultaneamente "o direito do indivíduo à autonomia, à segurança pessoal, à liberdade privada" e a "pertença cultural (o espírito das nações)" enquanto se exercem juízos de valor com "referência universal": a condenação da tirania "em todos os climas" e a preferência dada ao interesse da humanidade sobre o interesse de grupo ou indivíduo.

Uma moderação dos conflitos: "Os países ocidentais têm todo o direito de se defenderem de qualquer agressão e ataque aos valores nos quais escolheram basear os seus regimes democráticos. Em particular, precisam de combater firmemente qualquer ameaça terrorista e qualquer forma de violência. No entanto, eles têm interesse em não ser atraídos para uma reacção desproporcionada, excessiva e abusiva, porque produziria resultados contrários aos que se espera."

 

 

 

 

 


-- A diversidade das culturas: Análise e interpretação do filme Baraka.

21 Abril 2020, 10:00 Adriana Veríssimo Serrão

21 de Abril aula não presencial, sem contacto com os alunos, leccionada via Zoom)

 

1. Calendário da Avaliação

 

Caros Alunos

 

Saberão já quais as regras e datas estipuladas pela Faculdade. Mas recordo-as a partir da mensagem do director:

“O nosso calendário será então o seguinte: 8 de Maio: final do período lectivo S2. 20 de Maio: prazo para lançamento de notas, S2. 1 a 5 de Junho: época de avaliação final alternativa, S2.

 Em relação a todo este processo de conclusão do semestre, aplicam-se as seguintes regras e procedimentos:

Não haverá um formato único para as provas de avaliação a realizar; mas nenhuma naturalmente poderá ser presencial. Todas as decisões quanto ao formato e ao número de provas caberão aos docentes. 

Todos os docentes deverão avisar todos os seus alunos (se ainda não o fizeram) das provas de avaliação que realizarão nas suas UC até ao fim do semestre (8 de Maio), bem como do seu formato.

Todos os docentes receberão dos Serviços Académicos até 25 de Maio uma lista dos alunos que realizarão a avaliação final alternativa nas suas UCs.

Independentemente disso, todos os docentes deverão, depois de lançadas as notas (20 de Maio), comunicar aos alunos elegíveis para época de avaliação final alternativa o formato e os conteúdos sobre que incidirá a avaliação da sua UC, bem como as datas e prazos (entre 1 e 5 de Junho) para a sua realização.”

 

Assim sendo, para AF/AC, fica confirmado o que acordámos na 1.ª aula:

 

- 5 de Maio. (Teste). Enviarei o enunciado, pelo menos uma semana antes, para irem fazendo. Entrega a 5 de Maio até às 18 horas.

Toda a matéria constante dos sumários depois do 1.º teste.

 

- 8 de Maio (Fichas de Leitura). Entrega até 8 de Maio até às 18 horas.

Podemos conversar sobre os vossos temas durante as aulas.

 

Enviem-me por E-mail duas versões, uma em Word, para que eu possa anotar, outra em PDF, como garantia. Deverão usar unicamente os endereços

adrianaserrao@letras.ulisboa.pt

adrianaserrao@fl.ul.pt

 

Dado o calendário, que tem de ser cumprido, estas datas são absolutamente rígidas. Não irei, desta vez, aceitar nenhum trabalho que ultrapasse os prazos.

 

-- Sobre a avaliação final alternativa (entre 1 e 5 de Junho), aguardo nova mensagem do director. Será uma prova escrita que incidirá sobre toda a matéria das aulas do semestre constante dos sumários.

 

 

2. Aula

 

-- A diversidade das culturas: Análise e interpretação do filme Baraka.

 

Espiritualidade e religião em pequenas e grandes comunidades.

Contraste entre religiosidade e guerra.

Rituais de morte.

As contradições do progresso.

Homogeneização e perda da identidade.

A industrialização do mundo.

A objectivação dos animais.

A mecanização do humano.

Devastação dos recursos naturais.

 

-- Indicação de temas da Ficha.

 

- Próxima aula.

Recapitulação de HERDER: A ideia de cultura e a diversidade das culturas dos povos (enviado)

 

Conceito de cultura em Ernst Cassirer (caps. II e III)

http://gepai.yolasite.com/resources/CassirerEnsaiosobreohomem%20texto.pdf

 

Cassirer em espanhol

http://www.raularagon.com.ar/biblioteca/libros/Cassirer/Ernst%20Cassirer%20-%20Antropologia%20Filosofica.pdf

 

- Próximo tema : Nós e os outros: reconhecimento ou estranheza.

 

Alguns tópicos extraídos de Todorov

Tzvetan Todorov, Nous et les autres. La réflexion française sur la diversité humaine. / Nós e os outros. A reflexão francesa sobre a diversidade humana, 1989.

Aqui vai o link com o livro do Todorov: Human Diversity. 

https://we.tl/t-EQKZMN1DGy

 

Ensaio de Georg Simmel, “O Estrangeiro”

Georg Simmel, « O Estrangeiro ».

https://www.academia.edu/9565522/Georg_Simmel_-_O_Estrangeiro?auto=download

 

www.periodicos.ufc.br › revcienso › article › view

 


HERDER: A ideia de cultura e a diversidade das culturas dos povos

17 Abril 2020, 10:00 Adriana Veríssimo Serrão

HERDER: A ideia de cultura e a diversidade das culturas dos povos

 

Para citar este documento nos trabalhos, usar as páginas deste mesmo Word.

 

1. Apresentação. Da autoria de Ma­nue­la Ri­beiro Sanches retirada do livro Ma­nue­la Ri­beiro Sanches e Adriana Veríssimo Serrão, A Invenção do “Homem”. Raça, Cultura e História na Alemanha do século XVIII, Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2002, pp. 265-266.

 

“Obra de toda uma vida, a Filosofia da História da Humanidade (1784-91) de Herder retoma e problematiza as propostas de Iselin e de Meiners. Se a história da humanidade narra o modo como o «homem» progrediu do estado de «selvajaria» ou «barbárie» para a «civilização», a Filosofia da história da humanidade tenta pensar esse progresso de forma mais complexa e contraditória. Autor da primeira grande crítica à filosofia da história das Luzes na sua obra de juventude, Também uma filosofia da História para a formação da Humanidade (1774), Herder tem consciência dos limites dessa filosofia do progresso e do seu eurocentrismo. Defensor das culturas entradas em declínio, das minorias eslavas e não-europeias, Herder desenvolverá a ideia prenunciadora do relativismo cultural, segundo a qual as culturas deverão ser interpretadas a partir de si mesmas, na medida em que cada uma repousa sobre o seu próprio centro. Tal proposta prende-se com o facto de as generalizações e abstracções da História da Humanidade não serem susceptíveis de dar conta da individualidade que assiste a qualquer cultura, na medida em que todas as nações «têm em si mesmas o seu ponto intermédio da felicidade, tal como cada esfera possui o seu centro de gravidade». […] a filosofia da história herderiana pressupõe a unidade do género humano, na medida em que todo ele partilha de um plano de aperfeiçoamento, que reúne quer as manifestações físicas quer culturais.

[…] o modo como a clima continua a exercer um papel decisivo na transformação física e cultural dos povos, introduz o acaso na história da humanidade, excluindo qualquer possibilidade de uma superioridade necessária e inata, incompatível com a dignidade humana. A analogia entre o homem e a natureza que o circunda pretende, sobretudo, assinalar o modo como as culturas evoluíram e se adaptaram diferentemente, contra a lógica linear dos «civilizados». É evidente a polémica com as visões que sabem apenas pensar a evolução como um processo civilizacional europeu, polémica essa patente no interesse pelas diferentes manifestações culturais e adaptabilidade às condições do solo e do clima. Os elementos que revelam o modo como nas terras mais inóspitas os homens inventam e transmitem geracionalmente modos particularmente criativos de lidar com essas limitações […].

A crítica das Luzes desemboca assim numa das mais veementes críticas do colonialismo europeu, em que a diferença e a igualdade do género humano não surgem dicotomicamente opostas, nem tão pouco submetidas a uma dialéctica legitimadora da violência. Contudo, a teleologia e a universalidade presentes na obra de Herder não escondem um modelo eurocêntrico, embora também haja que assinalar que é a ressalva dos momentos individualizados das culturas que impede a tentação de impor um modelo de aperfeiçoamento: a felicidade individual, o mesmo é dizer, o direito à diferença, a que a lógica do progresso europeu se opõe ou pretende subsumir sob um ponto de vista histórico-filosófico kantiano, persiste assim no horizonte de uma utopia em que igualdade e diferença, universalidade e particularidade constituem dois pólos em tensão.”

 

2. Johann Gottfried Herder, II parte da obra Ideias para uma filosofia da história da humanidade. (1785)

O esboço de um quadro da Humanidade até agora apresentado não deverá ser mais que o pano de fundo sobre o qual desenvolveremos algumas observações, do mesmo modo que os respectivos grupos mais não podem pretender ser do que templos dos auguros no céu, a saber, meios auxiliares para a nossa memória. Vejamos pois aquilo que eles oferecem para a filosofia do nosso género.

LIVRO VII. POR MUITO DIVERSIFICADAS QUE SEJAM AS FORMAS DO GÉNERO HUMANO SOBRE A TERRA, TODAS PERTENCEM A UMA E MESMA ESPÉCIE

Se, na natureza, não existem duas folhas iguais numa árvore, ainda menos encontramos dois rostos e duas organizações humanas que se assemelhem. De que infinita diversidade é a nossa estrutura rica em artifícios capaz! As suas partes sólidas dissolvem-se em fibras de tal modo finas e entrelaçadas de múltiplas formas entre si, que nenhum olho as consegue detectar; estas encontram-se ligadas entre si por uma matéria viscosa, cuja mistura delicada escapa a qualquer arte calculadora; e, contudo, estas partes são a ínfima parte daquilo que possuímos. Mais não são que recipientes, invólucros e condutores de um humor rico em diversidade e vitalidade que existe em muito maior quantidade em nós e através do qual desfrutamos e vivemos. «A estrutura interna de um homem, diz Haller, nunca é exactamente idêntica à de outro. Os seus nervos e artérias distinguem-se em milhões e milhões de circunstâncias, pelo que não podemos detectar, perante a diversidade destas partes delicadas, em que é que se assemelham.» Se o olhar do anatomista reconhece esta diversidade infinita, qual não será a diversidade que habita as forças invisíveis de uma organização tão cheia de artifício! Assim, cada homem torna-se finalmente um mundo, um fenómeno semelhante do ponto de vista exterior, mas no seu interior é um ser único e incomparável.

E uma vez que o homem não é uma substância independente, mas se encontra ligado a todos os elementos naturais — vive do sopro do ar bem como dos mais diferentes produtos da terra, as comidas e as bebidas, consome o fogo, do mesmo modo que absorve a luz e infecta o ar; acordado ou adormecido, em repouso e em movimento contribui para a transformação do universo —, como não poderia ele deixar de ser transformado por estes? Não basta de modo algum compará-lo à esponja absorvente ou à centelha incandescente; ele é uma harmonia infinita, um Mesmo vivo sobre o qual age a harmonia das forças que o rodeiam.

Todo o curso da vida de um homem é mudança, todas as suas fases da vida são fábulas dessa mudança e assim todo o género humano se encontra em permanente metamorfose. As flores caem e morrem; outras irrompem e despontam; a árvore antiga carrega sobre a sua copa todas as estações. Se, ao calcular-se a segregação, se conclui que o corpo dum octogenário se renovou pelo menos vinte e quatro vezes, quem poderá acompanhar as mutações da matéria e das suas formas em todo o reino humano com todas as causas da transformação, se não existe um único ponto sobre o nosso globo, uma onda na corrente do tempo que sejam iguais? Os habitantes da Alemanha eram há poucos séculos patagónios e já não o são; os habitantes de futuros climas não se assemelharão a nós. Mas remontemos a esses tempos em que tudo sobre a terra parece ter sido diferente, quando, por exemplo, os elefantes viviam na Sibéria e na América do Norte, em que ainda existiam os animais enormes cujos esqueletos foram encontrados junto ao rio Ohio etc.; como tinham de ser diferentes os homens que agora vivem nessas regiões dos seus actuais habitantes! E assim a história da humanidade torna-se num palco de transformações que já só reconhece no seu todo Aquele que anima todas estas imagens, se regozija e se sente em todas. Cria e destrói, aperfeiçoa e transforma formas, depois de ter transformado o mundo em seu redor. O peregrino sobre a terra, a efemeridade transitória, só pode admirar uma ínfima parte dos milagres deste grande espírito, regozijar-se com a forma que lhe foi atribuída na grande cadeia do ser, adorar a forma e com ela desaparecer.

Mas como a inteligência humana busca a unidade na diversidade e o entendimento divino, à imagem do qual foi criado, associou por toda a terra a unidade à infinita multiplicidade, podemos também deduzir do gigantesco reino das transformações a proposição mais simples: o género humano é uma só e mesma espécie sobre a terra. […]

Finalmente, desejaria que não se exagerassem as distinções dentro do género humano resultantes de uma ciência louvável. Foi assim que alguns ousaram designar como raças quatro ou cinco divisões daquele, divisões essas originariamente introduzidas segundo regiões e cores; não vejo motivo para tal designação. Raça indica uma origem diferente que ou não se verifica ou que compreende em todos os climas, sob todas estas cores, as mais diversas raças. Pois todo o povo é um povo: tem uma morfologia nacional, tal como possui uma língua; é certo que o clima lhe conferiu determinadas características, o cobriu com um véu ligeiro, mas isto que não destrói a imagem originária da nação. Esta estende-se às famílias e as suas transições são tão variadas quanto imperceptíveis. Em suma, não existem sobre a terra quatro ou cinco raças, nem variedades exclusivas. As cores fundem-se umas nas outras; as formas dependem do carácter genético; e, no seu todo, mais não são do que matizes de um e mesmo quadro que se estende a todos os locais e tempos. Não pertencem, assim, nem à história natural sistemática, nem à história físico-geográfica da humanidade.”

 

V. CONSIDERAÇÕES FINAIS ACERCA DA OPOSIÇÃO ENTRE GÉNESE E CLIMA

[...] Ninguém exige que, num clima estranho, uma rosa se transforme num lírio, um cão num lobo, pois a natureza traçou fronteiras precisas entre as espécies e prefere deixar sucumbir uma criatura, a que a sua imagem se distorça ou deteriore. Mas que a rosa seja susceptível de variedades, que o cão adquira algumas características do lobo, isto já é conforme com os exemplos que a história fornece. E, também neste caso, a variação não procede tão só por meio de uma violência mais ou menos rápida ou lenta, exercida sobre as forças orgânicas que se lhe opõem. Ambas as forças em conflito possuem, portanto, um enorme efeito, mas cada uma age à sua maneira. O clima contém em si um enorme número de causas, que agem de forma muito desigual e, portanto, também de um modo lento e diversificado, até que finalmente penetram no interior e o transformam através do hábito e da génese; a força viva resiste durante muito tempo, forte, uniforme e igual a si mesma. Mas, como não é independente de circunstâncias externas, também tem de adaptar-se gradualmente a estas.

Em lugar de prosseguir a discussão no geral, preferiria uma análise atenta de casos particulares, para o que o campo da geografia e da história nos oferece inúmeros exemplos. Sabemos, por exemplo, o que sucede a determinadas colónias portuguesas em África e a outras espanholas, holandesas, inglesas e alemãs nas Índias Orientais e na América, consoante adoptaram os costumes dos nativos ou conservaram os costumes europeus etc. Se tudo isto tivesse sido analisado com precisão, poder-se-ia então passar a migrações mais antigas como as dos malaios nas ilhas, dos árabes em África e nas Índias Orientais, dos turcos nos países por eles conquistados e depois aos mongóis, aos tártaros e finalmente ao enxame de nações que cobriram a Europa durante as grandes migrações. Nunca se deveria esquecer qual o clima de que um povo proveio, o modo de vida que trouxe consigo, o país que encontrou, os povos com que se misturou, as revoluções que experimentou na sua nova sede. Se este exame fosse tornado extensivo aos séculos sobre os quais possuímos dados mais precisos, talvez se pudessem aplicar as conclusões a estas antigas migrações de povos que conhecemos apenas através de mitos de escritores antigos ou de coincidências entre mitologia e língua: pois todos ou a maior parte dos povos sobre a terra migraram mais cedo ou mais tarde. E assim obteríamos, com recurso a alguns mapas, uma história físico-geográfica da origem e da transformação do nosso género, segundo os climas e as épocas, que teria de fornecer gradualmente os mais importantes resultados.”

               

               

 


A ideia de Humanidade: todos iguais, todos diferentes?

16 Abril 2020, 10:00 Adriana Veríssimo Serrão

16 Abril (aula não presencial, sem contacto com os alunos, leccionada via Zoom)

30 alunos

 

I. Questões Prévias

 

- Mantemos os dois modelos A ou B. de avaliação.

 

Para A. Enviarei o enunciado, pelo menos uma semana antes, para irem fazendo.

 

Para B. Aconselho o seguinte

Plano orientador para a Ficha de Leitura

- Escolher um tema (de entre os tópicos do programa)

- Escolher dois elementos de trabalho (de entre os textos, livros ou filmes, que são matéria da cadeira) pertinentes para o tratamento desse tema.

(Se quiserem, podem juntar um terceiro elemento, mas não dispensando os dois referidos).

 

Estrutura da Ficha de Leitura

Breve apresentação do tema e dos elementos escolhidos

1. Análise do elemento A.

2. Análise do elemento B.

3. Comparação.

4. Algumas linhas conclusivas.

 

- Todas as questões que tenham devem doravante ser colocadas em grupo. Não terei  capacidade para responder individualmente.

 

- Indispensável consultar regularmente o Fénix!

 

 

 

 

II. Proposta de leitura do livro A Peste, de Albert Camus (disponível na Net) (1952)

Albert%20Camus%20-%20A%20Peste%20(1).pdf

 

O livro é sobre uma epidemia que se abate sobre uma cidade. Importante é a descrição que Albert Camus faz das diversas personagens, cada uma representando um modo de interpretar e de agir em situação de crise.

É um tratado de Antropologia. Mas a questão “o que é o Homem?” não tem uma resposta possível; não há um modelo de “Homem”, uma essência previamente determinada. O homem é a sua existência e o modo como cada um a vai realizando, passo a passo, decisão a decisão.

Camus é um representante do existencialismo. Todo o agir se dá em contexto concreto, em situação. E é a acção de cada um que funda o seu valor.

 

A noção de absurdo: O livro parte da situação de absurdo: não há razões para que o mundo seja assim, e não de outra maneira, tal como não há razões que expliquem o surgimento da epidemia. A pergunta «porquê ?» fica sem resposta. É um dado irrecusável!

 

A Peste pode ser lida como alegoria da condição humana e do absurdo da existência.

A Peste não tem justificação. As várias interpretações são falíveis. Um castigo divino? Um flagelo? Uma epidemia?

 

Guião de leitura (ver aula anterior):

- A cidade de Oran: situação geográfica, modos de vida, formas de sentir. Vida despreocupada, lazer (inconsciência)

- Os primeiros sinais de que há uma alteração (“os ratos”) e primeiras reacções.

- O fechamento da cidade: de onde não se pode sair nem entrar. Isolamento e exílio.

- Cada um está exposto aos mesmos riscos de todos. Igualdade de destino. Símbolo da condição humana. Não há história individual, mas colectiva.

Ninguém se salva sozinho. Ajudar os outros é ajudar-se a si próprio. É uma questão de humanidade.

- Caracterização das diversas personagens: as respectivas atitudes. (ver aula anterior):

 

- Peste que veio de repente e se vai embora de repente. O que ficou? Despontou a solidariedade. A força e o valor da empatia, cooperação e entre-ajuda. A transição do solitário ao solidário.  Do eu ao nós.

Para complementar este tema : o livro O homem revoltado de Albert Camus.

 

- Se o existencialismo é um humanismo. Sim, um humanismo do homem concreto, do meu próximo, em situação de fragilidade e sofrimento. Sujeito a uma condição colectiva,  na qual ao escolher-me a mim escolho todos os outros.

Para complementar este tema, de Jean-Paul Sartre, O existencialismo é um humanismo (conferência de 1946, encontram na Net).

 

 

III. Recapitulação de «O conceito de Cultura: a diversidade das culturas”.

 

A teoria de Herder sobre a diversidade cultural como um "Atlas an­­tropológico da Hu­manidade". Sem pôr em causa a unidade do género humano (um só troco), valoriza a diversidade dos seus ramos como fisionomias múltiplas. Não será já entendida como unidade do igual, do fixo e do imu­tável, uma iden­­tidade formal que des­preza as di­fe­ren­ças como acidentais, mas como unidade di­feren­ciada susceptível de conter a multiplicidade e a diferenciação, no fundo, uma unidade plástica capaz de assumir formas diversas.

 (ver aula anterior).

 

O "Atlas an­­tropológico da Hu­manidade" no filme : Baraka, de Ron Fricke (1992)

https://youtu.be/Sso5n_7mP-0

 

Na próxima aula analisaremos em conjunto este filme. Mas deverão vê-lo antes!

 

Algumas linhas de interpretação.

 

A ideia de Humanidade: todos iguais, todos diferentes

Ligação ao meio natural

Vida comunitária

Religião e espiritualidade

Comportamentos e modos de vida

Rituais e festas

Técnicas e artefactos

Devastação da natureza

Destruição e guerra

Vida urbana (“civilização”) e vida “primitiva”