Sumários

Sobre o primeiro teste de avaliação de conhecimentos

11 Abril 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Entrega e comentário do primeiro teste de avaliação de conhecimentos.

Breve alinhamento sobre o enunciado apresentado e de como ele poderia servir os interesses diversificados dos alunos. Diálogo individual, a pedido dos próprios, com vista ao esclarecimento de dúvidas e questões levantadas pelas anotações por mim redigidas. Tendo havido ausência de alguns alunos, a tabela final de resultados e percentagens será apresentada assim que todos tenham recebido os seus testes.


Descendo em direcção ao interior da Terra

6 Abril 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

2º Módulo: Montanhas, Vegetações, Vulcões, Cavernas, Desertos

Descida ao Interior da Terra

 

Começámos a descer em direcção ao interior da Terra. Fizemo-lo através de dois visionamentos muito distintos, ainda que sob a égide do formato de documentário cinematográfico.

Convidei os alunos a espectarem o filme de Werner Herzog, La Soufrière – À espera de uma catástrofe inevitável, de 1977, realizado a partir do conceito de paisagem em movimento (Eric Ames), que contém em si a ideia de que o que o realizador perseguia na altura não se descobre nem se encontra, porque existe por si no mundo natural. Apesar disso, o cineasta alemão foi movido por uma motivação – a provável e eminente erupção do vulcão La Soufrière, em 1977, na ilha caribenha francesa de Basse-Terre em Guadalupe – que levou Herzog a deslocar-se a esse lugar acompanhado pelos dois operadores de câmara Jörg Schmidt-Reitwein e Ed Lachman.

O filme com cerca de 30 minutos ocupa-se de um lugar vazio, do qual foram removidos os habitantes como precaução face à esperada explosão de La Soufrière. Seguimos os movimentos da câmara ora centrada na turbulência vulcânica e na paisagem fumegante, nos estrondos da Terra ululante e nas nuvens de dióxido de carbono e enxofre, ora percorrendo ruas desertas das quais a vida não se ausentara totalmente, pois o som de televisões acesas, o rasto de sapatos soltos abandonados, e diversos animais estonteados e em desorientação assinalavam vida contínua.

Herzog coloca-se na posição de testemunha ocular, descreve e narra o que vai observando, estabelece comparação com outros fenómenos vulcânicos espalhados por todo o planeta (uma espécie de A. v. Humboldt do séc. XX), criando mesmo um recuo no tempo histórico para mostrar imagens fotográficas de um outro vulcão, esse eruptivo, o de Mont Pelée na ilha de Martinica. O cineasta faz ainda o ponto de situação, recuando a 1976, menciona o nome dos seus acompanhantes, associa-se ao contexto nascido através da leitura de uma notícia alarmante num jornal, constrói uma estrutura dramática na qualidade de alguém que filma em risco.

Muitas seriam as perguntas que o espectador poderia fazer: O vulcão vai ou não explodir? Como se irão comportar o cineasta e os seus operadores de câmara? O que esperam mesmo encontrar? Existe uma estratégia para as filmagens? Trata-se de um filme que explora a ideia de veracidade dos factos (cinema vérité) ou ao som em directo do que escutamos sobrepõe-se a voz do realizador que nesse gesto estabelece com o espectador uma relação de cumplicidade?

O filme adquire um novo interesse a partir do momento em que os forasteiros descobrem um homem local disposto a morrer, se o vulcão se activasse mesmo, conforme previsto pelos estudos científicos vulcanológicos. Este é sem dúvida o grande e simples discurso sobre a liminar fronteira entre a morte e a vida. O habitante que fica para trás e se recusa a abandonar a ilha aceita de forma natural e perante a vontade de Deus a morte que se avizinha. Este é o homem que aguarda a catástrofe inevitável que o subtítulo do filme invoca.

Curiosamente La Soufrière termina sem o grande acontecimento. O vulcão não explode, o risco das filmagens deixa de fazer sentido, a reflexão sobre a vida e sobre a morte perde o significado sacrificial. A paisagem oculta no interior da Terra não se dá a ver, apesar dos múltiplos sinais da sua presença. Juntam-se-lhe os acordes da marcha fúnebre do Crepúsculo dos Deuses de Richard Wagner. Um modo paródico de concluir o filme?

 

Seguiu-se o visionamento de um documentário da National Geographic, narrado e explicado pelo fotógrafo profissional Carsten Peter sobre a gruta de Hang Son Doong no Vietname.

Qual o interesse específico deste visionamento?

As captações e comentários de natureza científica e pedagógica do fotógrafo inglês e veterano permitem-nos ter um inesperado encontro com uma floresta virgem dentro das profundezas da Terra, descoberta casualmente por um agricultor vietnamita em 1991. Só em 2009 se iniciaram as pesquisas e os estudos que prosseguem até aos dias de hoje na maior gruta conhecida no planeta.

Talvez a sublimidade deste espaço profundo, que dificilmente visitaremos, se possa comparar à dimensão sublime das filmagens e da banda sonora de La Soufrière de Herzog. As imagens transbordantes a que acedemos nos dois filmes oferecerão, por certo, resistência aos prospectos turísticos que nos prometem paraísos terreais longínquos inundados pela transparência da cor esmeralda e por céus diáfanos sem nuvens.

 

Endereços electrónicos:

La Soufrière, Werner Herzog, 1977, 29:46’

https://www.youtube.com/watch?v=EVVAGmlgDxI

 

Floresta vietnamita dentro da Terra

https://www.youtube.com/watch?v=lgBFl847z-4

 

Leituras recomendadas:

HUMBOLDT, Alexander von 2007, Pinturas da Natureza – Uma Antologia, selecção, apresentação e tradução de Gabriela Fragoso, posfácio de Hanno Beck, Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 21-132.

HUMBOLDT, Alexander von, 1993, Briefe aus Amerika 1799-1804, Ulrike Moheit (ed.), Berlin: Akademie Verlag, pp. 208-214. (para alunos com conhecimento de francês)

MENDES, Anabela | FRAGOSO, Gabriela (ed.) 2008, Garcia de Orta e Alexander von Humboldt – Errâncias, Investigações e Diálogo entre Culturas, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 69-79.

WULF, Andrea 2016, A Invenção da Natureza – As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores, pp. 112-122.

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt


Andrea Wulf e o seu biografado

4 Abril 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

. 2º Módulo: Montanhas, Vegetações, Vulcões, Cavernas, Desertos

Alexander von Humboldt - um naturalista em campo e o desafio perante experiências-limite - Pontos de vista

 

Perante alguma perplexidade dos alunos face às leituras em curso, em particular, o que ler primeiro e o que ler a seguir, foram dados esclarecimentos no sentido de apoiar os leitores.

Ocupámo-nos a seguir de um único capítulo, o 7º, da obra biográfica de Andrea Wulf, A Invenção da Natureza ~As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência. Nesse capítulo encontrámos descrição e comentário de um dos pontos altos da viagem de A. v. Humboldt e que consistiu na subida ao vulcão do Chimborazo no Equador, se bem que em 1802, esse território não fosse ainda independente e estivesse associado ao Reino de Espanha.

Porquê o 7º capítulo da obra mencionada e não outro? Porque decidiramos analisar um acontecimento sob a perspectiva de diferentes autores: A. v. Humboldt, a biógrafa Andrea Wulf e eu própria. Igualmente o facto de esta experiência de escalada científica ter posto em risco a vida do naturalista e as dos seus companheiros tornou-se para nós num motivo de reflexão a propósito das condições adversas que a Natureza desencadeia sobre o ser humano. Lembrámos neste contexto a situação descrita em O Mundo das Nuvens de Gavin Pretor-Pinney que haviamos lido antes e que dizia respeito à travessia de uma Cumulonimbus pelo tenente-coronel William Rankin, quando se deslocava em avião. Comentámos então o que distinguia a acção de A. v. Humboldt da de William Rankin. O primeiro queria aceder ao topo do Chimborazo custasse o que custasse para guardar registo de observações e medições que foi fazendo com vista a um estudo comparado vulcanológico, mas também como desafio à sua própria natureza. O segundo apenas fora apanhado no meio de uma turbulência de nuvens. Apesar desta diferença situacional, ambos experienciaram um acontecimento-limite. Ambos ficaram vivos e diferentes. Ambos ofereceram testemunho a outros de capacidades e vontade próprias treinadas a partir do instinto de sobrevivência.

O que nos interessou ainda neste 7º capítulo do livro de Andrea Wulf? Interessou-nos o estilo da escrita da autora. A precisão das suas informações alternava com a poeticidade da sua escrita. Por exemplo: «O nevoeiro mantinha o pico do Chimborazo num abraço.» (113) Na frase «Humboldt olhava determinadamente em frente.» (113) Como saberia a autora que assim era? Testemunho do próprio? Como olharia ele em frente se caminhava a quatro patas? O que existe de verdade e o que se lhe acrescenta ou se lhe subtrai?

Wulf leu criteriosamente a documentação que Humboldt deixou sobre esta aventura extraordinária (percebemos isso pela informação que ela nos disponibiliza), visitou muitos dos territórios atravessados por Humboldt, esteve no sopé do Chimborazo. Wulf admira intensamente a personalidade genial do seu biografado.

 

Leituras recomendadas:

HUMBOLDT, Alexander von 2007, Pinturas da Natureza – Uma Antologia, selecção, apresentação e tradução de Gabriela Fragoso, posfácio de Hanno Beck, Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 21-132.

HUMBOLDT, Alexander von, 1993, Briefe aus Amerika 1799-1804, Ulrike Moheit (ed.), Berlin: Akademie Verlag, pp. 208-214. (para alunos com conhecimento de francês)

MENDES, Anabela | FRAGOSO, Gabriela (ed.) 2008, Garcia de Orta e Alexander von Humboldt – Errâncias, Investigações e Diálogo entre Culturas, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 69-79.

WULF, Andrea 2016, A Invenção da Natureza – As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores, pp. 112-122.

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 


Quando duas cartas nos movem

30 Março 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

Alexander von Humboldt - um naturalista em campo e o desafio perante experiências-limite – Discurso na primeira pessoa

 

Cartas de Alexander von Humboldt a Jean Baptiste Joseph Delambre (Lima, 25.11.1802) e a Wilhelm von Humboldt, seu irmão (Lima, 25.11.1802)

 

Propus aos alunos realizarmos em conjunto uma experiência de aula diferente. Os dois objectos de análise enunciados, as cartas, foram escritos em francês pelo seu autor, não havendo delas qualquer tradução em inglês, a língua estrangeira que os alunos conhecem melhor. Entre os alunos havia, porém, quem fosse capaz de ler em francês e entender o conteúdo das cartas. Essas voluntárias à força aceitaram preparar interpretação dos dois testemunhos.

Pela primeira vez estávamos a colaborar num exercício com risco. Os alunos que não sabiam francês entregavam-se nas mãos daqueles que conheciam essa língua. A Kena Kuhn, a Márcia Rosa e a Madalena Quintela foram as nossas “asas”, como se costuma dizer em calão jurídico dos juízes que acompanham um juíz-presidente, como júri colectivo.

Analisámos então duas cartas escritas no mesmo dia a dois destinatários distintos e sobre um mesmo acontecimento: a subida ao Chimborazo. Ocupei-me da tradução dos excertos comentados, não sem que as alunas implicadas tivessem a oportunidade de manifestar os resultados das suas leituras.

A primeira carta (nº 88), ao amigo Delambre, dá conta, tal como a segunda carta também (nº 89) de uma profusão de interesses que sempre inspiram A. v. Humboldt quando põe por escrito o seu pensamento.

Na carta nº 88 verificamos como é importante para o autor mencionar muitos dos seus colaboradores e amigos, também instituições com as quais A. v. Humboldt se relacionava do ponto de vista científico no continente europeu. A enunciação de vários nomes pretende salientar os laços que unem o cientista alemão ao seu passado recente, que ele nunca rejeita, apesar da distância que separa o autor e os nomeados. Esses nomes invocam ainda a legitimação de um percurso científico que A. v. Humboldt prossegue e persegue num outro cenário e com diferentes condições e diferentes protagonistas.

Paradoxalmente A. v. Humboldt refere a falta de tempo para a escrita (nº 88), embora cada uma das cartas nos apresente em muitas páginas um mundo de conhecimento e de interesses que nos confrontam com o estudo comparado do planeta Terra, dados de medições e tabelas, uso de linguagem científica referente a várias áreas de investigação.

É a subida ao vulcão Chimborazo, em 23.6.1802, que une de facto os dois documentos. E a nossa estupefacção tem lugar quando no meio das aflições da subida nos deparamos com dados concretos de comparação vulcanológica e geológica, bem como com informação sobre a reacção do corpo humano ao frio e à altitude apresentados em toesas (1 toesa = 1,82 m). O grau de congelamento da água causado pelas baixas temperaturas surge na escala então comum do termómetro de Réaumur (cujos pontos fixos são o ponto de congelamento da água (0°Ré) e o seu ponto de ebulição (80°Ré).  Assim, a unidade desta escala, o grau Réaumur, vale 4/5 de 1 grau Celsius e tem o mesmo zero que o grau Celsius. Informação wikipédica) Voltaremos a este assunto quando nos ocuparmos do frio.

É a explosão de conhecimentos e a sua organização à la Humboldt que nos surpreende em momentos de grande aflição e risco. A carta nº 89 revela que o destinatário é alguém com quem o naturalista mantém uma relação mais íntima: o irmão. Com ele, Alexander fala, por exemplo, de um interesse que é a razão de ser das investigações do irmão, a linguística, quando refere os diversos estudos que realizava na prática quotidiana, ao conversar com indígenas de várias tribos. (212).

Estas duas cartas oferecem uma perspectiva na 1ª pessoa do modo de ser e de existir de Humboldt, como homem do seu tempo, como cientista da Natureza, como antropólogo, como sociólogo, como democrata, como ser completo no contexto planetário e universal.

Para Alexander von Humboldt não existem limites a uma trajectória de vida dedicada aos outros e ao mundo, não de uma forma sacrificial mas com plena alegria e empenho. A sua determinação em criar ligação entre tudo o que existe, visível e invisível tornou-se no seu programa de vida.

Andrea Wulf abre o seu livro com uma citação de Johann Wolfgang von Goethe que reza assim:

«Cerra os olhos, espeta as orelhas e, do mais suave som ao mais selvático barulho, do mais simples tom à mais elevada harmonia, do grito mais violento e apaixonado às mais gentis palavras da doce razão, é a Natureza que fala, revelando o seu ser, o seu poder, a sua vida e a sua afinidade, para que uma pessoa cega, a quem é negado o mundo infinitamente visível, possa captar a infinita vitalidade daquilo que pode ser ouvido.»

 

Leituras recomendadas:

HUMBOLDT, Alexander von 2007, Pinturas da Natureza – Uma Antologia, selecção, apresentação e tradução de Gabriela Fragoso, posfácio de Hanno Beck, Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 21-132.

HUMBOLDT, Alexander von, 1993, Briefe aus Amerika 1799-1804, Ulrike Moheit (ed.), Berlin: Akademie Verlag, pp. 208-214. (para alunos com conhecimento de francês)

MENDES, Anabela | FRAGOSO, Gabriela (ed.) 2008, Garcia de Orta e Alexander von Humboldt – Errâncias, Investigações e Diálogo entre Culturas, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 69-79.

WULF, Andrea 2016, A Invenção da Natureza – As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores, pp. 112-122.

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt


Montanhas, Vulcões e vegetações

28 Março 2017, 16:00 Anabela Rodrigues Drago Miguens Mendes

 

2º Módulo: Montanhas, Vegetações, Vulcões, Cavernas, Desertos

 

Alexander von Humboldt - um naturalista

 

Abrimos a aula com a projecção de imagens da viagem de estudo realizada por Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland à América do Sul (1799-1804). No entretanto recuperámos o mapa geral desse percurso mostrado em aula anterior.

Chamei a vossa atenção para o facto de que não iria dedicar o tempo de aula a uma apresentação biógrafa do naturalista alemão. Recomendei então a pesquisa wikipédica que, no caso deste cientista é extensa e cuidada.

Concentremo-nos nas imagens mostradas. Quase todas elas nasceram de desenhos e esboços feitos por A. v. Humboldt. Duas, porém, retratam Humboldt e Bonpland no terreno, rodeados de instrumentos de observação e medição, utilizados nas experiências de campo que ambos realizavam - Friedrich Georg Weitsch, Alexander von Humboldt 1806 (1) e Eduard Ender, Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland na floresta virgem, 1856 (2).

A análise que fizemos dessas imagens permitiu-nos aferir que os retratados dirigiam o seu olhar para o plano do observador, num caso (1), e, no outro (2), estabelecia-se uma relação de cumplicidade de Bonpland para Humboldt, sendo que este último voltava a encarar quem o contempla na imagem. Recuperava-se, assim, uma tradição da pintura de retrato que projecta para a posteridade a importância do acto de posar e de estabelecer contacto com o plano de observação. No entanto, no presente caso (as duas imagens) em vez de uma pose formal existe antes um estar informal de que se destacam as roupas de trabalho, embora limpas, os instrumentos no meio de muitos outros objectos, como que a atribuir vivacidade ao momento do retrato, acusando, assim, um fazer experimental que era aquele de que se ocupavam os dois cientistas. Em (1) encontramos Humboldt com o seu herbário, em grande plano, em zona protegida do exterior. O seu rosto transmite harmonia e felicidade e a pose é a de suspensão de um momento de trabalho. Em (2) volta a optar-se por criar um ambiente escuro e destacado do exterior visível. A pausa de trabalho parece configurar um instante de lazer alargado atendendo à postura de Humboldt. O espaço circundante carrega em si a actividade de pesquisa e recolha de espécimens botânicos, como se esse ambiente pudesse ser comparado ao que é o de uma floresta virgem. Verificámos também que a relação entre um primeiro plano e um plano mais distante do observador, retirava à paisagem o seu protagonismo.

De Friedrich Georg Weitsch temos ainda uma outra representação: Humboldt e Bonpland na planície de Tapia no sopé do Chimborazo, 1810. Este exemplar tem a particularidade de nos mostrar um dos interesses investigativos de Humboldt – o vulcão do Chimborazo – e de ser uma imagem que nos coloca perante um outro tema de trabalho: as relações entre os povos e o grau de tolerância, interesse e compreensão evidenciados por Humboldt em relação aos elementos de uma tribo que o circundam.

Tomámos então consciência de que a proporcionalidade da imagem é feita de três planos: à natureza pujante é dado o maior destaque, aos habitantes locais na sua labuta diária, o menor, e entre esses dois planos, à direita e com relevância, encontra-se o plano que enquadra o cientista conversando com um elemento da tribo, ambos do mesmo tamanho, sendo que Bonpland se encontra sentado e um pouco distante da conversação dos anteriores sujeitos.

De salientar o facto de que A. v. Humboldt e o seu interlocutor dirigem o olhar para o observador. Não se trata, portanto, da captação de um momento entre os dois, mas de um momento em que os dois invocam pela posição que detêm um relacionamento pacífico entre duas culturas e dois povos: europeus e indígenas. Esta postura adquire, assim, um significado extra-acontecimento casual e quotidiano na vida do cientista alemão. A roupa com que se apresentam destaca as diferenças entre ambos do ponto de vista dos hábitos e costumes. Ao lado do indígena está um cão pacífico e em pose como os humanos.

Nas duas imagens seguintes, O Chimborazo visto do Planalto de Tapia, XXV, Gravura colorida de M. Thibaut, a partir de desenho de Alexander von Humboldt, Paris, 1810 (4) e Alexander von Humboldt e Aimé Bonpland, Geografia das Plantas em terras dos trópicos, pintura de natureza dos Andes, Paris e Tübingen, 1807, Gravura colorida de Louis Bouquet, segundo desenho de Lorenz Adolf Schönberger e Pierre Jean François Turpin, com base em desenho de Alexander von Humboldt (5) encontramos o vulcão do Chimborazo como interesse primeiro.

A representação da maior parte dos humanos em (4) é colectiva. Todos se movem numa única direcção, diluindo-se as suas figuras na própria paisagem natural. A deslocação faz-se no sentido contrário ao ângulo de visão do observador e anuncia a subida ao vulcão realizada em 1802. O tamanho das pessoas é idêntico ao dos animais em primeiro plano, as Llamas. O protagonismo é dado à montanha que, coberta de neve, do topo até metade, se expõe na sua evidente beleza e simplicidade. Exemplares botânicos locais, os cactos, enquadram o primeiro plano da imagem. A harmonia parece liderar as emoções dos aventureiros em diálogo uns com os outros. Fica mais uma vez registado o bom entendimento entre os deus europeus e os naturais do território, hoje Equador.

A imagem (5), intitulada de forma breve, Geografia das Plantas, para além da sua beleza natural, contém um programa científico traçado pelo naturalista alemão, pela primeira vez em toda a história da humanidade. Sem nos determos em pormenores, podemos afirmar que o intuito e propósito comparatistas se destacam, quando é criado por ele, a partir de modelos próprios da geografia – os mapas – uim instrumento de leitura abrangente de uma região ou território. Este instrumento ganha uma força especial ao juntar numa única imagem diferentes tipos de conhecimento que associam geologia, botânica, meteorologia, orografia, vulcanologia. De uma só vez é mostrada uma região com todas as suas valências naturais. O desenho e o corte do Chimborazo vêm acompanhados de tabelas explicativas que enunciam ao mesmo tempo informação necessária para a total compreensão do objecto em causa. Não podemos ignorar a beleza da ciência neste exemplar.

A imagem seguinte, Corte ideal dos anéis da Terra em montanhas, Esboço de Alexander von Humboldt, desenho de Joseph Fischer, mostra-nos uma outra actividade científica de A. v. Humboldt, o estudo do interior da Terra. Passamos a ver as montanhas por dentro e as suas ligações, projectadas sob a forma de anéis. Mesmo que não sejamos conhecedores desta ciência que se dedica ao estudo directo e indirecto do interior da Terra, podemos compreender o que A. v. Humboldt terá querido dizer com a expressão que titula a imagem. Um corte ideal pretende enunciar uma hipótese, cuja validação só o estudo e a experiência no terreno poderá validar. Sabendo que o interior da Terra é constituído por materiais moventes e que se agregam em camadas, o cientista cria uma metáfora bela através da imagem dos anéis, sabendo, porém, que a dinâmica do interior da Terra é um corpo vivo.

A penúltima imagem, Vulcão aéreo de Turbaco (Vulcan d’air de Turbaco, XLI), Desenho de Marchais sobre esboço de Alexander von Humboldt, gravura colorida de Bouquet, procura associar a temática dos vulcões e montanhas ao assunto bem mais vasto e complexo que é o relacionamento entre humanos de diferentes proveniências, culturas e civilizações.

O homem nu aparece aqui não como exemplificação do exótico mas antes como alguém que está integrado no seu meio-ambiente. O respeito por esse estar em conformidade consigo mesmo aplica-se também à representação de Alexander von Humboldt nesse lugar. O tema da conversação entre os dois homens, e de acordo com a gravura, é de novo a ciência vulcanológica.

Passagem do Quindiu na Cordilheira dos Andes, V Esquisso de Alexander von Humboldt é a última imagem desta série de selecção. Aqui continuamos no espaço de montanhas e desfiladeiros, mas o destaque do desenhista vai para a condenação de uma prática frequente, tanto na Europa como em outros lugares, e que consistia em transportar às costas os brancos visitantes. Os indígenas não só serviam de guias para os passeios dados na natureza pelos que chegavam de territórios europeus, como os transportavam em cadeiras de verga ou madeira flexível montanha abaixo e montanha acima. Esta prática já era utilizada no séc. XVIII em países como a Suíça, a Alemanha e a França. Este costume foi levado pelos europeus para o Novo Continente. Os autóctones submeteram-se e tornaram-se num meio de transporte, coisa que até então desconheciam.

As montanhas fascinaram desde sempre Alexander von Humboldt. Nunca durante a sua estadia em terras do Novo Mundo ele se fez transportar às costas de ninguém.

Leituras recomendadas:

HUMBOLDT, Alexander von 2007, Pinturas da Natureza – Uma Antologia, selecção, apresentação e tradução de Gabriela Fragoso, posfácio de Hanno Beck, Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 21-132.

HUMBOLDT, Alexander von, 1993, Briefe aus Amerika 1799-1804, Ulrike Moheit (ed.), Berlin: Akademie Verlag, pp. 208-214. (para alunos com conhecimento de francês)

MENDES, Anabela | FRAGOSO, Gabriela (ed.) 2008, Garcia de Orta e Alexander von Humboldt – Errâncias, Investigações e Diálogo entre Culturas, Lisboa: Universidade Católica Editora, pp. 69-79.

WULF, Andrea 2016, A Invenção da Natureza – As Aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência, Lisboa: Temas e Debates | Círculo de Leitores, pp. 112-122.

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_von_Humboldt

 

Série de imagens disponibilizadas aos alunos a partir de esboços e desenhos de Alexander von Humboldt e trabalhadas por pintores e gravadores amigos do naturalista alemão.