Sumários
Ciceronianus e/ou Christianus? ‘Onde estiver o teu tesouro, aí está também o teu coração’.
30 Setembro 2024, 12:30 • Rodrigo Furtado
1. A educação clássica e a doctrina christiana.
1.1 Educação e novos desafios.
i. A educação clássica ao serviço da vida política: o triuium.
ii. Saberes úteis e inúteis : em função da cidade.
1.2 As ‘escolas’ cristãs de Alexandria e de Antioquia no século III; o direito dos Cristãos poderem aceder à educação;
‘Quero pedir-te que extraias da filosofia dos Gregos o que pode servir como um plano de estudo ou uma preparação para o cristianismo, e da geometria e astronomia o que servirá para explicar as Sagradas Escrituras, para que o que todos os filhos dos filósofos costumam dizer sobre geometria e música, gramática, retórica e astronomia, como companheiros auxiliares da filosofia, possamos dizer nós, sobre a própria filosofia, em relação ao cristianismo’. (Orígenes, Carta a Gregório)
‘Não devemos errar em defender que todas as coisas necessárias e proveitosas para a vida nos vieram de Deus, e que a filosofia foi mais especialmente dada aos Gregos, como uma aliança especial com eles - sendo, como é, um degrau para a filosofia que existe de acordo com Cristo’. (Clemente de Alexandria, Stromata 8)
‘Apresentarei os melhores contributos dos filósofos dos Gregos, porque tudo o que há de bom foi dado aos homens de cima por Deus’ (João Crisóstomo, Capítulos Filosóficos, Prefácio).
1.3 Claudiano : um poeta egípcio em Roma ao serviço de Estilicão. O maravilhoso pagão como adereço.
1.4 A recuperação do passado.
i. As edições de luxo autores antigos:
1. Tito Lívio patrocinada por dois aristocratas do senado de Roma: Símaco e por Nicómaco Flaviano em 401;
2. As edições de luxo de Vergílio: o Virgilius Mediceus (Firenze, Laur. 39.1 + Vaticano, lat. 3225).
3. Os comentários: Sérvio, Tibério e Élio Donato.
ii. Os Saturnalia de Macróbio: ambiente simposiástico: discussão em torno de Vergílio;
1.5 As bases de uma cultura de segunda mão: manuais, breviários e comentários. O triunfo de uma visão enciclopédica da cultura clássica, de segunda mão, baseada em manuais e em repertórios de exemplos.
2. Roma: uma cidade que deixou de ser capital.
2.1 O círculo feminino de Jerónimo.
2.2 A tradução da Vulgata.
2.3 Ciceronianus, non Christianus
Jerónimo, Epístola XXII a Eustóquio, 30: ‘Há já muitos anos, embora tivesse, por causa do Reino dos Céus, cortado todas as relações com a minha casa, os meus pais, irmã, parentes e, o que é mais penoso do que isto, com o hábito dos lautos banquetes [...], não podia passar sem a biblioteca que coligira para mim, em Roma, com grande zelo e trabalho. Assim eu, infeliz, antes de ler Cícero, jejuava. Depois das ininterruptas vigílias nocturnas [...], tomava Plauto nas minhas mãos. Se porventura, caindo em mim, começava a ler um profeta, a linguagem rude horrorizava-me [...].
Quase a meio da Quaresma, uma febre, infundida nas minhas entranhas mais recônditas, invadiu o meu corpo esgotado e, sem qualquer descanso [...], devorou os meus infelizes membros ao ponto de eu mal permanecer preso aos meus ossos. [...] De repente, arrebatado em espírito, sou arrastado até ao tribunal do Juiz, onde era tanta a luz e tanto o brilho oriundos do esplendor dos que se encontravam de pé ao meu redor, que, lançado por terra, não ousava olhar para cima. Interrogado acerca da minha condição, respondi que era Cristão. Mas aquele que presidia disse: «Mentes. És Ciceroniano, não Cristão; «onde estiver o teu tesouro, aí está também o teu coração» [Mat. 6, 21].
Calei-me de imediato e, entre vergastadas – efectivamente, tinha ordenado que eu fosse flagelado – era ainda mais torturado pelo fogo da minha consciência, reflectindo para comigo naquele versículo, ‘no inferno porém, quem te louvará?’ [Ps. 6, 6b]. Comecei então a gritar e a dizer entre lamentos: ‘Tem piedade de mim, Senhor, tem piedade de mim’ [Ps. 56, 2]. [...] Fui libertado, voltei à superfície e, perante a admiração de todos, abro os olhos, inundados por uma tamanha chuva de lágrimas que convenciam da minha dor os incrédulos. [...] A partir de então li os livros divinos com um empenho maior do que aquele com que antes tinha lido os livros dos mortais.
3. Tradição literária e novos conteúdos : pseudomorfose cultural.
3.1 Juvenco e os Euangelii libri.
3.2 Proba e o centão de Vergílio In laude Christi.
4. A transformação da cultura erduita (s. V-VI)
4.1 Boécio (ca. 480-524).
i. Ainda é conhecedor da filosofia clássica: comentários a Aristóteles, Porfírio, neoplatonismo, Agostinho. Sabia Grego; plano de traduzir toda a obra de Platão e Aristóteles.
ii. Consolatio Philosphiae (Consolação da Filosofia): Cristianismo + Literatura + Filosofia.
4.2 Cassiodoro (ca. 485-ca. 585).
i. Filho de um Prefeito do Pretório para a Itália.
ii. Vários cargos da administração de Teodorico. Prefeito do Pretório (533-536). As Variae: cartas públicas e privadas (507-537): mostrar que o reino ostrogodo era imperial na sua prática; desejado por Deus. O modelo do ‘Romano colaborador’. A continuação da cultura literária entre o passado e o presente; entre Romanos e Godos.
iii. O Vivarium e as Institutiones como regra de estudo: um mosteiro para as letras no sul de Itália (Squilace). A importância da biblioteca.
4.3 Gregório Magno (ca. 540-604).
i. Senador; patricius; prefeito da Cidade com 33 anos; monge; diácono; todas as irmãs fazem votos;
ii. Embaixador em Constantinopla (579-585/6);
iii. Papa (590-604): representa o imperador em Itália
iv. Enorme influência na vida espiritual: Regula pastoralis (sobre os bispos); Dialogi (sobre o monaquismo).
Rodrigo furtado
Bibliografia sumária:
Brown, P. (1971), The world of Late Antiquity from Marcus Aurelius to Muhammad, London, 49-68.
Humphries, M. (2018), ‘Christianity and paganism in the Roman Empire, 250–450 ce’, A companion to religion in Late Antiquity, Malden, MA, 61-80.
………………………………………
Brown, P. R. L. (1961), ‘Aspects of the Christianization of the Roman Aristocracy’, Journal of Roman Studies 51, 1-11.
Browning, R. (2000), ‘Education in the Roman empire’, The Cambridge Ancient History. 14. The Late Antiquity: Empire and Sucessors, A.D. 425-600, Cambridge, 855-883.
Cameron, A. (1970), Claudian: Poetry and Propaganda in the Court of Honorius, Oxford.
Chuvin, P. (1990), Chronique des derniers païens, Paris.
Fox, R. L. (1987) Pagans and Christians, New York.
Kaster, R. A. (1988), Guardians of Language: The Grammarian and Society in Late Antiquity, Berkeley – Los Angeles – London.
Lavan, L. A.-Mulryan, M., eds. (2011), The Archaeology of Late Antique ‘Paganism’, Leuven.
MacMullen, R. (1997), Christianity and Paganism in the Fourth to Eighth Centuries, New Haven.
Marrou, H.-I. (1977), Décadence romaine ou antiquité tardive?: IIIe-VIe siècle, Paris.
Maxwell, J. (2012), ‘Paganism and christianization’, The Oxford handbook of Late Antiquity, Oxford.
Miles, R. (1999), Constructing Identities in Late Antiquity, London, 1999
Momigliano, A., ed. (1963), The conflict between Paganism and Christianity in the Fourth Century, Oxford.
Pelikan, J. J. (1993), Christianity and classical culture: the metamorphosis of natural theology in the Christian encounter with Hellenism, New Haven.
Reynolds, L. D. – Wilson, N. G. (20134), Scribes and scholars. A Guide to the Transmission of Greek and Latin Literature, Oxford.
Riché, P. (1962), Éducation et Culture dans l’Occident Barbare, VIe-VIIIe siècles, Paris.
Smith, J. M. H. (2005), Europe after Rome: a new cultural History 500–1000, Oxford.
Idade Média, medievalismo e neomedievalismo.
26 Setembro 2024, 09:30 • Angélica Varandas
As noções de medievalismo e neomedievalismo.
A conversão de Constantino e a cristianização da sociedade: o que aconteceu aos deuses clássicos?
25 Setembro 2024, 12:30 • Rodrigo Furtado
1. No ano 300: 10% de cristãos; 25% dos habitantes das cidades eram cristãos.
2. A negligência: A decadência da religiosidade cívica.
“Imaginei na minha cabeça o tipo de procissão que seria, com um homem a ter visões sonho: animais para sacrifícios, libações, refrões em honra do deus, incenso e os jovens da cidade a rodear o santuário, com as suas almas adornadas com toda a santidade e eles próprios vestidos com vestes brancas e esplêndidas. Mas quando entrei no santuário, não encontrei incenso, nem um bolo, nem um animal para sacrifício. Nesse momento fiquei espantado e pensei que ainda estava fora do santuário e que estavam à espera de um sinal meu, dando-me essa honra por eu ser o sumo pontífice. Mas quando comecei a indagar que sacrifício a cidade pretendia oferecer para celebrar a festa anual em honra do deus, o sacerdote respondeu: 'Trouxe comigo da minha casa um ganso como uma oferenda ao deus, mas a cidade desta vez não fez preparativos.” Juliano, Misopogon (sobre o santuário de Apolo em Dafne, perto de Antioquia).
3. As consequências da batalha da Ponte Mílvia (312).
3.1 O edicto de Milão (313).
3.2 A conversão da família imperial.
3.3 Uma conversão rápida “de cima para baixo”.
3.4 O favorecimento do Cristianismo: a devolução da propriedade; a isenção de impostos; a construção de basílicas: São Pedro; São Paulo; Santo Sepulcro.
3.5 Ca. 350 d.c.: 32 milhões de cristãos; seguramente perto de 90% nas cidades.
4. Cristianismo e ambiguidades na época de Constantino (306-337).
4.1 O carácter ambíguo das atitudes de Constantino:
i. a manutenção dos ritos cívicos;
ii. os templos da deusa Thychê e dos Dióscuros em Constantinopla;
iii. Santa Sofia de Deus (360; Constâncio II).
4.2 O Cristianismo como padrão cultural: ser cristão é ser como o imperador
4.3 A argumentação a favor da proibição dos rituais não cristãos. Um combate pela racionalidade e a cultura: Basílio de Cesareia, Gregório de Nazianzo.
5. A vitória do Cristianismo
5.1 A proibição aos cristãos de participarem nos ritos e sacrifícios cívicos (321 d.C.);
5.2 Edicto de Constante (ou Constâncio II) (341): que acabe a superstição e que a irracionalidade dos sacrifício seja abolida (cod. Theod. 16.10.2): a proibição dos rituais da religio pagã.
5.3 A proibição constante dos sacrifícios em Roma ao longo do século IV;
5.4 Visita de Constâncio II a Roma (357): respeito pelos templos da cidade: ao ponto de ser ele próprio apresentado por Símaco como modelo para Valentiniano II;
5.5 Notícias esporádicas de conflito; mas ausência de uma política consequente até à época de Teodósio; mesmo depois, não há uma perseguição massiva;
5.6 Teodósio e o edicto de 391.
o De novo: proibição dos sacrifícios.
o A extinção do fogo do Templo de Vesta e a proibição das Vestais. O de uirginitate de Ambrósio de Milão;
o A proibição da religião familiar;
o O abandono/destruição dos templos?
6. O caso de Serapeum de Alexandria:
https://youtu.be/UAWZSSGjIvw (Agora, A. Aménabar, 2009)
6.1 Fontes: Rufino, Sócrates, Sozómeno (não gosta de Teófilo), Teodoreto e Eunápio (pagão).
6.2 Não referem qualquer biblioteca;
6.3 Teófilo de Alexandria retira de um templo abandonado objectos sagrados;
6.4 Reacção pagã: tomam o Serapeum, torturam e crucificam cristãos;
6.5 Acabam por ser expulsos e os líderes, que eram filósofos neo-platónicos, perdoados por Teodósio;
Mataram muitos cristãos, feriram outros e tomaram o Serapeum, um templo que era notável pela beleza e grandeza e que estava situado num lugar alto. Converteram-no numa cidadela temporária; e para ali transportaram muitos dos cristãos, torturam-nos e obrigaram-nos a oferecer sacrifícios. Aqueles que recusaram obedecer foram crucificados, tiveram ambas as pernas quebradas ou foram mortos de algum modo cruel. Quando a sedição já durava há algum tempo, os governantes vieram e instaram o povo a lembrar as leis, a depor as armas e a abandonar o Serapeum
Sozómeno 7.15.
7. As destruições:
Gália: 2,4% templos destruídos;
Norte de África: apenas destruições em Cirene;
Ásia Menor: apenas um exemplo de destruição;
Grécia: apenas um exemplo de destruição (pelos Godos de Alarico);
Itália: apenas um exemplo de destruição;
Britânia: três exemplos de destruição;
Egipto: sete exemplos de destruição;
Síria-Palestina: vinte e um exemplos de destruição
TOTAL: 43 destruições
Religiosidade e Filosofia no Mediterrâneo Antigo: breve síntese
23 Setembro 2024, 12:30 • Rodrigo Furtado
A religiosidade greco-romana.
I. A religiosidade cívica greco-romana.
1. O que são os deuses? O significado de religio.
2. Uma religião de cidades, de cidadãos e de sacerdotes-magistrados. A indistinção religião/política.
3. Um culto aberto para o exterior.
II. A “revolução religiosa” no Mediterrâneo Oriental: crioulização cultural e alterações na religiosidade.
1. Fechamento religioso face ao exerior: uma ‘religio’ de grupo.
2. A possibilidade de salvação: méritos, deméritos e resgate.
3. Os mistérios:
4.1 Morte e ressurreição;
4.2 A ligação às estações;
4.3 Os símbolos: água, sangue;
A ‘nova’ filosofia antiga.
I. Platonismo e neo-platonismo.
1. A busca da archê (‘princípio’).
2. A realidade sensível: ilusão e transitoriedade.
3. A realidade inteligível: o Bom, o Belo e o Justo em sim.
4. A preocupação com a verdade.
5. Cada vez maior preocupação com o problema de Deus. A divinização do Logos.
II. A procura da felicidade
1. De uma Filosofia “teórica” para uma filosofia “prática”: como chegar a contemplar as ideias perfeitas?
2. Filosofia como modo de vida: restrições alimentares e sexuais; a renúncia ao mundo e a busca da verdade. O Estoicismo e a ataraxia.
III. Um texto extraordinário.
‘No princípio (archê) existia o Logos; o Logos estava em deus; e o Logos era deus. No princípio (archê) ele estava em deus. Por ele é que tudo começou a existir; e sem ele nada do que existiu existiria. Nele é que estava a vida. E a vida era a luz dos homens. A luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a comprenderam. [...] [O Logos] era a luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, ilumina todo o ser humano. Ele estava no mundo e por ele o mundo veio à existência’ (Jo. 1.1-5; 9-10a).
Rodrigo Furtado
Bibliografia Sumária
Alvar, J. (2001), Los Misterios. Religiones ‘orientales’ en el Imperio Romano.
Beard, M., North, J. North, Price, S. (1998), Religions of Rome, 2 vols., Cambridge, 1998.
Bowden, H. (2010), Mystery Cults of the Ancient World, New Jersey.
Bremmer, J. (2014), Initiation into the Mysteries of the Ancient World, Berlin, Boston.
Emilsson, E. K. (2017), Plotinus, London.
Long, A.A., Sedley, D. N. (1987), The Hellenistic Philosophers, 2 vols., Cambridge.
Rüpke, J. (2007), Religion of the Romans, Malden, MA.
Rüpke, J., ed. (2008), A Companion to Roman Religion, Malden, MA
Smith, J. Z. (1990), Drudgery Divine. On the Comparison of Early Christianities and the Religions of Late Antiquity, London.
Tarrant, H., ed. (2014), The Routledge Handbook of Neoplatonism, London.