Sumários

Inscrever Deus no espaço: o que é o ‘real’?

25 Outubro 2019, 14:00 Rodrigo Furtado


  1. A representação do espaço no mundo antigo.
    1. Concepção aristotélica: Alexandria;

                                               i.     A esfericidade da terra: o cálculo da circunferência por Eratóstenes (s. II a.C.);

                                              ii.     Os três continentes do hemisfério norte; o desconhecimento do hemisfério sul.

                                             iii.     Os mapas: Eratóstenes, Ptolemeu;

                                             iv.     A Geografia física e antropológica: Estrabão; Plínio-o-Antigo.

                                              v.     Objectivos: ciência mensurável; comércio; vivência prática e utilitária do espaço.

    1. Concepção platónica/‘romana’: Império – a terra como metáfora.

                                               i.     Representação da terra como um plano;

                                              ii.     Centro: 3 continentes; Mediterrâneo: centro geométrico; Roma: centro do Mediterrâneo = centro do mundo; o oceano.

                                             iii.     Projecção da ideia imperial: afirmação de um poder com ambições universais.

                                             iv.     A Crónica ‘em colunas’ de Eusébio de Cesareia; a translatio imperii;

c.      Confronto entre as duas concepções é também um confronto entre dois modos de entender o mundo;

 

2.     Triunfo da concepção romana.

a.      O contexto: o triunfo de ‘Platão’ sobre Aristóteles = triunfo do Cristianismo. O que é a realidade?

b.     O espaço como reflexo da vontade de Deus;

                                               i.     A intervenção de Deus no espaço como criador e como actor;

                                              ii.     A geografia bíblica pós-Noé: Sem, Cam, Jafet;

    1. Triunfo de uma concepção simbólica do espaço: qualitativa e não quantitativa:

                                               i.     Espaço não é entendido como valor quantitativo, relacionado com a distância a percorrer

                                              ii.     Espaço lido em função de um esquema a priori bíblico;

                                             iii.     Natureza: conjunto de símbolos decifráveis; livro onde se podem ler os sinais da obra divina;

                                             iv.     Símbolos: compreender quem é Deus. Geometrização/esquematização do espaço.

d.     Racionalidade interna do sistema e os princípios do conhecimento clerical: acreditar + compreender aquilo em que se acredita.

 

3.     Cosmas Indicopleustes, Topographia Christiana:

a.      Comerciante no Mediterrâneo e no Índico; ‘o que viajou na Índia’.

b.     O mundo seria plano e os céus teriam o formato de uma caixa.

c.      Mundo cúbico: tabernáculo; arca da aliança entre Deus e os homens

 

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/dc/Cosmas_-_universe.jpg

 

 

 

 

4.     A tendência para a geometrização das formas de representação da realidade. Porquê? Macro e microcosmo. A terra esférica.

600px-Diagrammatic_T-O_world_map_-_12th_c.jpg s. XII

220px-T_and_O_map_Guntherus_Ziner_1472.jpg

469px-T-O_Mappa_mundi_z.jpg

 

- Colagem estrita à representação bíblica do mundo;

- Jerusalém no centro: junção dos três continentes;

- Interpretação bíblica do espaço terrestre:

-       Círculo: perfeição divina;

-        T: prefiguração da cruz; aponta para a Ressurreição

 

REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO TERRESTRE:

                  - Anunciaria desde sempre:

                                                     - marca do Criador

                                                     - redenção

           - Permitiria detectar sinais da presença de Deus.

 

 

5.     Os mapas do Beato de Liébana (final do século VIII)

300px-ApocalypseStSeverFolios45v46rWorldMap.jpg

Beato de Saint-Sever

(Paris, BnF, lat. 8878, s. XI).

 

5.1 Primeiros sinais de um tipo de representação não esquemático: mas OBVIAMENTE não era um mapa para uso ou referência dos viajantes, nem auxiliar de viagem;

5.2   Centro: Jerusalém e  Roma; paraíso na Ásia: exterior; fora do alcance dos mortais; Ásia não dominada política, culturalmente; local de riqueza e abundância

 

6.       Cidade vs. campo; mosteiro vs. castelo; terra vs. oceano.

6.1 O espaço da segurança e da insegurança.

6.2 Espaço natural vs. espaço humanizado: cidade/campo; terra/oceano. O lugar dos demónios.

6.3 O espaço monacal como antecâmara do paraíso.


O códice.

25 Outubro 2019, 10:00 Angélica Varandas

O códice: da pele ao pergaminho.

As tintas. A iluminura.


Scriptoria, livros e bibliotecas: o que se guardava? O que se copiava? O que se lia?

22 Outubro 2019, 14:00 Rodrigo Furtado

  1. A filosofia pagã dos séculos I-IV d.C.: filosofia e modo de vida.
    1. Pitagóricos; Estóicos; Neo-platónicos: a contemplação do Uno e a fuga ao mundo distractivo;
    2. Ataraxia (tranquilidade); ascetismo (ἄσκησις: treino, exercício do gymnasium); mortificação; purificação; contemplação;
    3. A fuga à cidade; a fuga à política; a fuga ao artifício; a fuga a (uma certa) cultura; a fuga ao mundo material; a fuga aos daimones e aos desejos; o eremitismo (ἐρημίτης: o que vive no deserto)/anacoretismo (ἀνακορέω: retirar-se) pagãos.

 

2.     Antão (ca. 251-356).

a.      o controlo de si tão caro aos filósofos: o deserto como o lugar da luta contra as tentações; o controlo do corpo e das paixões;

b.     a atracção: os seguidores do deserto – discipulado, peregrinações e aldeamentos.

 

3.     O anacoretismo.

a.      A expansão do modelo de Antão e as comunidades de anacoretas: Pacómio (†348) e a ‘vida comunitária’: o nascimento do cenobitismo.

b.     Jerónimo e o ascetismo em Roma e na Palestina.

c.      O monaquismo episcopal e os precedentes das comunidades de canónigos regulares.

                                               i.     Martinho de Tours; Ambrósio de Milão; Agostinho de Hipona; Isidoro de Sevilha;

 

  1. Tradição, enciclopedismo, imobilismo e cópia dos escritos ‘clássicos’ no espaço monásico ocidental: a Regra de São Bento e os primeiros scriptoria monásticos; o Vivarium de Cassiodoro.

 

Regra de São Bento 48: ‘A ociosidade é inimiga da alma. Por isso, devem os irmãos dedicar-se ao trabalho manual e também, durante um determinado número de horas, à leitura divina. Por este motivo, cremos que cada uma destas ocupações será ordenada no tempo, segundo a seguinte disposição: da Páscoa até às Calendas de Outubro [...], desde a hora quarta até à hora em que celebrarão a sexta, estejam livres para a leitura [...]. Desde as Calendas de Outubro até ao início da Quaresma, estejam livres para a leitura até ao fim da segunda hora [...]. Nos dias da Quaresma, desde manhã até ao fim da hora terceira, estejam livres para as suas leituras [...]. Nesses dias da Quaresma, recebam todos, da biblioteca, um único códice que lerão integralmente, de forma continuada. Esses códices devem ser dados no início da Quaresma. Antes de tudo isto, sejam escolhidos um ou dois dos mais velhos para que circulem pelo mosteiro nas horas em que os irmãos estão livres para a leitura e para que vigiem a fim de que não se encontre por acaso um irmão indolente que se dedique ao ócio ou à conversa, que não esteja atento à leitura e que não só seja inútil para si, como também distraia os outros. [...] Do mesmo modo, no Domingo, estejam todos livres para a leitura, excepto os que foram escolhidos para ofícios diferentes.

 

 

5.     O mosteiro como um microcosmo: e.g. Saint-Gall (Saint-Gallen, Stiftsbibliothek, ms. 1092; 9th c. inc.).

 

http://earlymedieval.archeurope.info/uploads/images/Franks/St%20Gall/St%20Gal%20Plan%2002.jpg

 

6.     Recuperar e preservar o saber no mundo carolíngio.

a.      Porquê? Reviver o passado. A ideologia carolíngia.

b.     Centros: Lorsch, Aquisgrano, Corbie, Tours, Saint Gall, Reichenau.

c.      Objecto:

                                               i.     Educação tardia – educação carolíngia (de novo, procurar os livros e os manuais);  uniformizar a educação;

                                              ii.     Liturgia uniforme;

                                             iii.     Letra e pronúncia uniformes;

                                             iv.     Copiar e editar tudo: os casos de Políbio, T. Lívio e Tácito.

1.      Entre 550-750: 264 manuscritos; 26 de tema não religioso;

2.      Entre 750-900: 290 manuscritos;

3.      Entre 900-1000: 150 manuscritos.

 

7.     Bibliotecas: o ms. Escorial R. II.18 e o inventário de 882.

 

 

 

 

 

 

8.     O testamento de Mumadona Dias (959). 


As universidades e a escolástica.

22 Outubro 2019, 10:00 Angélica Varandas

A transição da fase monástica para a fase escolástica.

A Universidade.
As ordens mendicantes.
Os ideais aristotélicos e a filosofia nominalista. A figura de William of Ockham.


‘Renovar os ensinamentos dos Romanos e instruir a Hispânia’: Isidoro e as Etimologias.

18 Outubro 2019, 14:00 Rodrigo Furtado


 

1.     E depois do Império : a multiplicidade de caminhos.

1.1   A multiplicidade de novas carreiras ‘não políticas’ : o mundo estritamente militar ; a Igreja.

1.2   A ‘inutilidade’ da cultura : em termos estritamente políticos; para a salvação.

1.3   A ‘utilidade’ da cultura : a administração e as leis. O papel da Igreja: os especialistas – na escola; na administração ; na interpretação das Escrituras.

 

2.     Isidoro de Sevilha (ca. 560-636).

2.1   Família de hispano-romanos de Cartagena. Uma família de religiosos: Leandro de Sevilha, Fulgêncio de Écija, Florentina.

 

3.     Cultura e Funcionalidade social.

3.1   formação escolar;

3.2   preservação do saber suficiente;

3.3   compreensão dos textos sagrados.

le dessein de cette oeuvre [d’Isidore] est de répondre aux exigences premières d’une culture religieuse fondée sur une instruction intellectuelle et théologique, mais aussi et d’abord morale et spirituelle’ (Fontaine, 1986 : 132).

 

4.     Obra:

4.1   Exegese bíblica: Prooemia in libros Veteris et Noui Testamenti, as Quaestiones in uetus testamentum, o Liber numerorum, as Alegoriae Sacrae Scripturae.

4.2   Organização eclesiástica: De ecclesiasticis officiis.

4.3   As Etymologiae ou Origenes (615-636).

4.3.1        Compêndio do saber;

4.3.2        Livros 1-5: artes liberais – gramática, retórica, dialéctica, matemática, geometria, astronomia, música + medicina, direito;

4.3.3        Livros 6-8: Antigo e Novo Testamento, sobre Deus e os cargos da Igreja, sobre as heresias e as religiosidade pagã;

4.3.4        Livro 9: línguas, os povos, as relações de parentesco;

4.3.5        Livro 10: dicionário;

4.3.6        Livros 11-20: os animais, a geografia e fenómenos celestes, as construções e edifícios, minerais e metais, a guerra e os espectáculos, a navegação e vestuário, utensílios domésticos e agrícolas;

4.3.7        Fontes: autores cristãos (Agostinho, Jerónimo, Ambrósio, Cassiodoro); autores de escola da Antiguidade Tardia (Sérvio e outros comentadores, Donato e outros gramáticos, Lactâncio Plácido, Nónio Marcelo, Solino, Marciano Capela).

 

 

5.     Os Auctores clássicos:

5.1   Abundância de citações e remissões para os autores clássicos: Varrão, Cícero, Salústio, Énio, Vergílio, Estácio, Séneca.

5.2   CONTUDO: acesso à cultura clássica em segunda mão: ‘en el mejor de los casos, los autores paganos eran consultados, no leídos; o dicho con otras palabras, se podía llegar a ellos a través de pequeñas citas, antologías o resúmenes. La gran mayoría de los hombres cultos nunca habían abordado una obra de esta clase para leerla de la primera a la última línea’ (Díaz, 1982: 83-4).

5.3   Os intermediários : Sérvio, Nónio Marcelo, Lactâncio Plácido, Festo, Agrécio, Agostinho, Ambrósio, Mário Victorino, e outros textos gramaticais e de comentário.

5.4   O episódio de Perdiz (orig. 19, 19, 9):

O termo ‘serra’ deriva do som, ou seja do estridor que produz. Ora, o uso da serra e do compasso foi inventado por um certo adolescente, Perdiz, que, ainda rapaz, Dédalo, irmão da mãe dele, acolhera para o instruir nos seus conhecimentos. A inteligência deste rapaz diz-se que era tal que, quando procurava um meio rápido de cortar madeira, dotou uma lâmina de ferro afiada das mordidelas de dentes à semelhança da espinha dos peixes, que é aquilo a que os operários chamam de ‘serra’. Por causa da invenção deste instrumento, Dédalo, o seu mestre, levado pela lívida inveja, atirou de cabeça o rapaz do alto da cidadela; depois, foi partiu para o exílio em Creta e aí permaneceu durante algum tempo, segundo dizem as lendas. De Creta voou com umas asas e chegou à Cilícia

a)     Ovídio, Metarphoses  8. 236-259.

b)     fontes isidorianas: Sérvio (Aen. 6, 14; Georg. 1, 143), Higino (fab. 39, 1) e Ps.-Lactâncio Plácido (fab. 8, 3).

c)     Evemerismo e ausência de valor mitológico.

 

5.5  Sententiae (sent. 3, 13 – ed. P. Cazier, CCSL 111, p. 236, 1-13): Está, assim, o cristão proibido de ler as fantasias dos poetas porque, pelos encantamentos de historietas vãs, incitam o espírito às tentações dos prazeres. Na verdade, não é só oferecendo incenso que se sacrifica aos demónios, mas também acolhendo com prazer as palavras deles. Alguns deleitam-se mais com as palavras dos pagãos devido ao seu discurso ornamentado e balofo, do que com a sagrada escritura por causa da sua expressão simples. Mas que importa aprofundar as doutrinas mundanas e ignorar as divinas? Seguir fantasias temporárias e ter aversão aos mistérios celestes? Por conseguinte, devemos evitar tais livros pelo amor às sagradas escrituras e fugir-lhes.

 

5.6   Acesso à cultura clássica em segunda e terceira mão; recurso a comentários, escólios, obras gramaticais e escolares da Antiguidade Tardia; fragmentação dos textos clássicos e descontextualização desses fragmentos; ausência de leitura do texto completo; estatuto gramatical da sua funcionalidade; alarde de erudição.